segunda-feira, 12 de setembro de 2016

O próximo alvo - Marcos Nobre

- Valor Econômico

• Renan pode ser para Temer o que Cunha foi para Dilma

Eduardo Cunha será cassado entre hoje e amanhã. O sistema político gostaria que fosse um lance de futebol. Depois do cartão vermelho para Dilma Rousseff, o juiz joga para a arquibancada, expulsa Eduardo Cunha e decreta o jogo zerado. Só que a expectativa é irreal. Porque, mesmo se fosse futebol, uma expulsão está bem longe de ser igual à outra. Uma foi nada menos do que um impeachment traumático, altamente contestado. A outra expulsão quer entregar os anéis para não perder os dedos. E, vamos combinar, o juiz não tem qualquer credibilidade junto à arquibancada.

A rejeição generalizada à forma atual de funcionamento do sistema político jogou com cartas que a Lava-Jato colocou na mesa. Grandes empresários e intermediários de todos os tipos foram presos, mas nenhum deles se tornou inimigo público número 1. Esse papel ficou reservado para políticos profissionais. O primeiro alvo foi o complexo Dilma-PT-Lula. Com o afastamento de Dilma Rousseff, Eduardo Cunha se tornou a bola da vez. A questão agora é saber se haverá um próximo alvo. E quem será.

Na política oficial, quem se perfilou ao lado de Temer o fez com a esperança de represar a indignação geral. Foi tentada a operação de salvamento de Cunha. Se colasse, o sistema político teria retomado o controle e ninguém mais estaria ameaçado de ir para o cadafalso, pelo menos na atual legislatura. Quando do julgamento de Dilma Rousseff, o Senado trouxe a inovação jurídica de repercussão mundial que distinguiu a queda do coice, na expressão imorredoura de Renan Calheiros. A Câmara faria uso da distinção para tirar de Cunha o mandato sem lhe tirar os direitos políticos.

O resto do trabalho de "estancar a sangria", na expressão gravada de Romero Jucá, continuaria com a aprovação de uma anistia para o caixa 2 que livraria a cara da maioria dos implicados na Lava-Jato. E contaria com a lentidão secular do STF para investigar, julgar e processar políticos. A cereja do bolo da operação de anistia geral viria com uma revisão pelo STF de sua posição de permitir a prisão de condenados em segunda instância.

Mesmo tendo fracassado a operação de salvamento de Cunha, o plano de autodefesa da política oficial segue em execução. O próximo passo é conseguir quebrar a lógica dos últimos dois anos, em que parte relevante da sociedade escolhe um inimigo público número 1 para representar seu desgosto com o sistema político. O estilo prende e arrebenta de Cunha teria funcionado como um imã para colocá-lo como o alvo seguinte a Dilma Rousseff. Bastaria evitar esse tipo de perfil para baixar a temperatura e impedir a concentração do ódio em uma figura símbolo.

Acontece que a posição de Geni da vida nacional é bastante exigente, a bazuca mira alto. Presidentes da república, ministros, presidentes da Câmara e do Senado. Não é nada evidente manter a cabeça baixa em posições como essas. Basta ver o bate-cabeça generalizado que caracteriza o governo Temer. Depois de inventar o recuo do recuo do recuo, o atual governo conseguiu inventar a opção de compra de reforma ministerial no mercado futuro indefinido.

A persistir a lógica do inimigo público número 1, vai se instalar uma disputa de morte no interior da base de sustentação do governo. Essa disputa vai se dar especialmente entre os dois candidatos naturais à posição. O primeiro é o presidente do Senado, Renan Calheiros, já tornado oficialmente réu em ação de improbidade. O segundo candidato natural é o próprio governo Temer.

A esperança inicial do sistema era de que o novo governo pudesse representar o fim da sanha assassina da opinião pública. O que se viu foi o contrário, como mostram todas as pesquisas de popularidade. Não apenas a pecha de golpista e traíra colou em Temer como a conta da desgraça social ainda nem começou a ser debitada na conta de seu governo, a cobrança deve vir apenas em 2017. Para piorar, o atual governo funcionou até agora como bicho acuado. De um lado, precisa de base ampla para aprovar os terrenos na lua que vendeu. De outro lado, não demonstrou capacidade até o momento para coordenar uma base com esse tamanho e com esse grau de fragmentação.

Faltam menos de cinco meses para terminar o mandato de Renan Calheiros como presidente do Senado. É o que fala contra ele se tornar para Michel Temer o que Eduardo Cunha foi para Dilma Rousseff. Mas se Renan for alçado à posição de Geni nacional, sendo ou não presidente do Senado, vai jogar a bomba de volta no colo do governo Temer. Como demonstrou a votação que preservou os direitos políticos de Dilma Rousseff, Renan tem suficiente base e força no Senado para isso. Esse é hoje o principal cabo-de-guerra que vai decidir o futuro do atual governo.
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Junto com o encurtamento da campanha e o trauma prolongado do impeachment, a indiferença generalizada pelas eleições municipais complica ainda mais as previsões. E se já eram raras as pesquisas de intenção de voto que se aventuravam para além das 92 cidades com mais de 200 mil habitantes, com os orçamentos de campanha atuais elas minguaram de vez.
O que se pode fazer é especulações a partir dos poucos dados disponíveis. Como mostrou Ricardo Mendonça aqui no Valor, o PSDB conseguiu lançar o maior número de candidaturas (o mesmo número do PT, 56) nas 92 maiores cidades e é o partido que mais recebeu apoios de outros partidos. Pode parecer um sinal de força, mas é antes sinal de acirramento da disputa interna. Com três aspirantes à Presidência da República filiados ao partido, essa inflação é preparação para a guerra interna que acabará em racha oficial até o próximo ano.

O relativo isolamento do PT mostra que o partido já não mais detém a hegemonia inconteste no campo de centro-esquerda. E, apesar da alta fragmentação de forças de centro-direita, a nova disputa pela liderança da esquerda parece ter levado a uma divisão que ameaça excluir candidaturas desse campo da disputa de segundos turnos na maioria das cidades. A persistir a divisão, pode ser um prenúncio de exclusão também no segundo turno da eleição presidencial de 2018.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

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