- Folha de S. Paulo
A "morte do PT", essa profecia disseminada, não é um exercício de análise política, mas a expressão triunfalista de um desejo autoritário. O PT provavelmente sobreviverá. Contudo, o impeachment de Dilma e as imputações penais a Lula assinalam o ocaso da hegemonia petista sobre a esquerda brasileira. Chega ao fim uma longa era de unificação partidária quase completa das correntes de esquerda. A encruzilhada atual descortina os rumos contrastantes da substituição de hegemonia ou de uma reunificação pluralista. Batizemos o primeiro caminho como "partido-movimento" e o segundo como "Frente Ampla".
O PSOL sonha construir-se como "partido-movimento", assumindo a posição hegemônica no campo da esquerda. Suas referências são o Syriza, que chegou ao poder na Grécia em 2015, e o Podemos, que naquele ano atingiu votação similar à do Partido Socialista, disputando o posto de segundo maior partido espanhol. O Syriza tem raízes no Synaspismos (Coalizão da Esquerda Progressista), um movimento de unificação de correntes radicais fundado em 1991. O Podemos nasceu das manifestações contra a austeridade promovidas pelos "Indignados" a partir de 2011. Tanto um como o outro expressaram uma dupla rejeição política: à social-democracia e ao comunismo stalinista.
Os intelectuais do PSOL traçam um paralelo esquemático entre o PT e a social-democracia europeia. Na falência do Pasok grego e na decadência do PSOE espanhol, enxergam os funestos indícios do futuro próximo do PT. Assim como a crise do euro abriu a via para a ascensão dos partidos-movimento grego e espanhol, a crise do impeachment propiciaria a troca de hegemonia no Brasil.
Anos atrás, um cartaz de Che Guevara adornava a porta do gabinete de Alexis Tsipras, na sede do Syriza, enquanto Pablo Iglesias, o líder do Podemos, cantava as glórias de Hugo Chávez. O PSOL repete os evangelhos do castrismo e do chavismo, mas sua execução musical está atrasada em um compasso. No governo, o Syriza experimentou uma cisão e sua facção majoritária curvou-se à ortodoxia europeia, passando a ocupar o lugar que foi do Pasok. Por seu lado, após o anticlímax das eleições de junho, o Podemos anunciou um giro pragmático à centro-esquerda, borrifando água na chama da rebeldia.
O principal arauto do caminho da "Frente Ampla" é Tarso Genro, dirigente da Mensagem ao Partido, ala petista devotada à "refundação" do partido. Seu modelo é a coalizão Frente Amplio, que governa o Uruguai desde 2005, apoia-se na central sindical PIT-CNT e se estende do centro à extrema-esquerda, abrangendo democrata-cristãos, social-democratas, comunistas e tupamaros. Partindo do reconhecimento de que se esgotou a hegemonia do PT sobre a esquerda, a ideia da "mesa progressista" busca a reunificação por meio de um mínimo denominador comum. Cada um na sua, mas todos juntos na hora das eleições —eis o estandarte de Genro.
A "Frente Ampla" contempla interesses diversos. De um lado, evita o isolamento de um PT declinante, açoitado pela ventania da desmoralização. De outro, oferece lugares ao sol para a CUT, o MST, o MTST, o PCdoB e a UNE, que já compraram seus bilhetes de ingresso à nau das esquerdas. Mas a estratégia fracassará se não seduzir o PSOL, deixando espaço à ascensão de um "partido-movimento". Os primeiros sinais da tensão entre as estratégias conflitantes aparecem nas campanhas municipais de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
Nesses tempos de delinquência intelectual, o discurso partidário dissimula-se sob o rótulo da ciência política. Mathias de Alencastro reproduziu o clássico ardil dos antigos partidos stalinistas ao acusar o PSOL de fazer o "jogo da direita" nas eleições paulistanas (Folha, 21/9). O intelectual-militante fantasiado de acadêmico exprime o desejo inviável de voltar no tempo, reinstaurando a hegemonia que se estilhaça.
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