• A Lava Jato produz provas que levam à conclusão: o esquema foi uma sociedade entre os dois partidos
Daniel Haidar e Diego Escosteguy - Época
Em julho de 2013, o executivo Ivo Dworschak, da OSX, empresa naval de Eike Batista, alertou o ainda bilionário: operadores do petista José Dirceu estavam cobrando até impostos da propina que lhes era devida por contratos na Petrobras. As empresas de Eike, como a OSX, derretiam. Ele fizera e redobrara apostas tresloucadas em poços que não davam petróleo. A fatura finalmente chegara; com ela, a pressão dos operadores do PT. A OSX, em parceria com a Mendes Júnior, obtivera, em 2012, um contrato de US$ 922 milhões com a Petrobras, para construir as plataformas P-67 e P-70 – duas das preciosidades da exploração no pré-sal. Contratos na Petrobras, ainda mais dessa ordem, não vinham de graça. Naquele momento, vinham atreladas a pedágios ao PT e ao PMDB, os dois partidos que detinham o poder político no Brasil e, com ele, as canetas da Petrobras.
Eike não poderia deixar que a OSX parasse de receber da Petrobras, o único contrato que realmente pagava as contas. Mandou, segundo o executivo Ivo, bancar a fatura dos operadores de Dirceu. “O Eike falou que isso faz parte das negociações, para eu ficar tranquilo e só dar seguimento aos pagamentos”, disse Ivo recentemente aos procuradores da força-tarefa da Lava Jato. O executivo participou de reuniões em que os operadores de Dirceu, da espanhola Isolux, estrilavam diante do calote na propina. “Eu vi fisicamente na minha frente um bando de argentinos ou uruguaios lá, cobrando que a gente cumprisse o acordo senão eles iriam denunciar lá, fazer as ações nas origens, a ameaça seria tipo ‘Vou falar com José Dirceu que vocês não estão cumprindo e isso vai dificultar a vida de vocês’”, narrou Ivo à Lava Jato. Ele procurou Eike novamente. “Faz parte, fica tranquilo e honra o que foi feito, com impostos e tudo”, orientou Eike, segundo o depoimento de Ivo.
E assim foi feito. Ao longo de 2013, de acordo com planilhas de pagamentos e extratos bancários, empresas associadas a Dirceu, sem prestar serviço algum, receberam, ao menos, R$ 12 milhões. Dirceu já havia sido condenado pelo Supremo Tribunal Federal no mensalão – mas o julgamento do mensalão, como a Lava Jato veio a comprovar, em nada mudara a regra do jogo em Brasília e no Rio de Janeiro. O dinheiro da propina do pré-sal saiu da OSX e da Mendes Júnior. Após ser lavado, chegou às contas de operadores do petista, como Júlio César Oliveira Silva, o Julinho – um dos mais eficientes lobistas da turma de Dirceu, conhecido no submundo da venda de armas pesadas a governos e preso pela Lava Jato na semana passada. De lá, a propina era sacada em espécie ou seguia para contas de laranjas. A Lava Jato ainda rastreia o destinatário final da dinheirama. Já há provas documentais, no entanto, de que outros dois lobistas da Petrobras pagaram propina a Dirceu e ao PT por meio dos mesmos laranjas. Dirceu, que está preso em Curitiba desde agosto de 2015, já foi condenado a 23 anos de prisão.
Pagar propina a Dirceu, como sabiam Eike e os diretores da Mendes Júnior, nem sempre era suficiente para garantir contratos na Petrobras – ou o correto cumprimento desses contratos. Era preciso, também, pagar o PMDB. Como comprovam, entre outras evidências, os extratos bancários da Mendes Júnior, o lobista João Augusto Henriques, operador na Petrobras do grupo formado por deputados do PMDB, recebeu R$ 7,4 milhões da empreiteira, no mesmo período em que o PT recebia sua parte da propina. Segundo delatores com conhecimento direto do caso, o dinheiro repassado a João Augusto se tratava de propina ao PMDB pelo mesmo contrato. Quem no partido recebeu esse dinheiro? Os procuradores estão atrás. João Augusto está preso em Curitiba desde setembro de 2015, condenado a seis anos de prisão. Como Dirceu, ainda enfrenta outros processos.
As fraudes e propinas envolvidas no contrato bilionário de Eike e da Mendes Júnior com a Petrobras resultaram na 34ª fase da Lava Jato, deflagrada na manhã de quinta-feira, dia 22. Foi batizada pelos investigadores de Arquivo X, uma alusão a Eike Batista. A nova etapa das investigações forneceu as provas mais fortes do que já aparecera, em menor grau, em outros momentos da Lava Jato: o petrolão era um consórcio entre PT e PMDB. O PT, por ter a Presidência da República, era o sócio majoritário. O PMDB, por ter a base parlamentar mais influente e, no governo Dilma Rousseff, a Vice-Presidência, era o sócio minoritário. Havia outros sócios, embora bem menores: o PP de Paulo Roberto Costa e o PTB de Fernando Collor (o senador mudou de partido depois).
Após dois anos e meio de investigações, não restam dúvidas de que havia uma sofisticada organização criminosa em operação na Petrobras – e não apenas nela. O montanhoso corpo de provas que emerge da maior investigação já feita no Brasil revela, em minúcias, como funcionava a corrupção promovida pelo grupo que assaltava a estatal. Havia, como nas grandes organizações criminosas, uma clara divisão de tarefas. Cabia ao cartel de grandes empresas – como Mendes Júnior e OSX – pagar propinas aos funcionários da Petrobras e aos políticos que mandavam nesses funcionários. Cabia a esses funcionários e aos chefes deles, os políticos, entregar os contratos da estatal às empresas do cartel, por mais danosos que fossem aos cofres da Petrobras. Durante ao menos uma década, a organização criminosa prosperou formidavelmente. Empreiteiros enriqueceram. Burocratas enriqueceram. Lobistas enriqueceram. Políticos enriqueceram – e foram eleitos e reeleitos com dinheiro sujo. Até que, enfim, a estatal quebrou.
No topo desse consórcio entre PT e PMDB estava, segundo a força-tarefa, Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com eles, o esquema, do qual Lula se beneficiou política e materialmente, não poderia acontecer sem que ele tivesse dado as ordens, direta e indiretamente. Na semana passada, o juiz Sergio Moro acolheu a denúncia dos procuradores contra o ex-presidente. Moro entendeu que há provas suficientes de autoria e materialidade no caso em que Lula é acusado de receber propina da empreiteira OAS, lavada como um tríplex em Guarujá. Assim, o ex-presidente se tornou réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – e as investigações prosseguirão intensamente. Ele é investigado em outras cinco frentes; numa delas, em Brasília, também já virou réu, acusado de tentar obstruir a Lava Jato.
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