Por Letícia Casado - Valor Econômico
BRASÍLIA - O Ministério Público Federal denunciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o empreiteiro Marcelo Odebrecht e outras nove pessoas por participação em suposto esquema de corrupção envolvendo financiamento do BNDES à empreiteira para obras em Angola. Eles foram acusados pelos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa no âmbito da Operação Janus.
Entre 2008 e 2015, Lula teria atuado no BNDES para favorecer a Odebrecht junto à contratação de linhas de financiamento para obras no exterior. A empreiteira teria recebido a maior parte da linha para exportação de serviços disponível pelo banco. "Apenas entre 2010 e 2014, 52 financiamentos/empréstimos ou aditamentos de contratos anteriores foram obtidos pela Odebrecht junto ao BNDES, totalizando o montante de US$ 7,44 bilhões", informa a denúncia. Segundo os procuradores, Angola foi o país que celebrou o maior número de contratos, recebeu o maior volume de dinheiro, teve o menor percentual de juros e onde foi verificado um dos menores prazos médios de concessão dos empréstimos.
No caso de Angola, os procuradores afirmam que a Odebrecht repassou ao grupo, "de forma dissimulada, valores que, atualizados, passam de R$ 30 milhões" em retribuição por ter sido contratada pelo governo do país. Os procuradores suspeitam que as obras tenham sido superfaturadas.
A propina teria sido distribuída por três canais indiretos: a subcontratação pela Odebrecht da Exergia Brasil - de Taiguara Rodrigues, sobrinho da ex-mulher de Lula; o pagamento de R$ 20 mil de despesas pessoais, como combustível e mensalidades de plano de saúde, de José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, irmão de Lula; e a contratação de palestras de Lula.
Entre 2009 e 2015, a Exergia Brasil assinou 17 contratos com a Odebrecht que somaram R$ 20 milhões. Segundo os procuradores, a empresa, que não tinha funcionários, não tinha capacidade para tocar obras do porte para os quais foi contratada. O contrato seria apenas para justificar obras que usavam dinheiro do BNDES. Taiguara e seu sócio foram denunciados.
A atuação de Lula foi separada em duas partes. A primeira vai de 2008 a 2010, quando era presidente e, na condição de agente público, teria praticado corrupção passiva; a segunda de 2011 e 2015, quando já não era presidente e teria praticado tráfico de influência.
De acordo com o MPF, Lula "supervisionou todo o processo de 'captação' de contratos pela Odebrecht (e, por extensão, pela Exergia)" e ajudou a empresa do sobrinho.
Lula é acusado de praticar 44 vezes o crime de lavagem de dinheiro ao longo desses anos - incluindo por meio da contratação de sua empresa de palestras, a Lils. Segundo o MPF, as palestras e viagens de Lula pagas pela Odebrecht somam R$ 4 milhões (sendo US$ 100 mil e R$ 479 mil referentes a palestras em Angola, em 2011 e 2014, respectivamente). Os eventos, dizem os procuradores, serviam para ocultar a real motivação da transferência de recursos e "constituíram, na prática, verdadeira vantagem recebida em troca da promessa de interferir, em favor da empresa, perante o BNDES e demais órgãos responsáveis pelo processamento de empréstimos internacionais no Brasil".
Para o MPF, Lula "criou bases institucionais no BNDES" para manter, depois que ele saísse da presidência, um esquema de favorecimento a algumas empresas 'escolhidas' mediante financiamentos internacionais para exportação de serviços a países da África e América Latina.
Segundo o MPF, em 2010, o ex-presidente participou de reunião da diretoria de administração do BNDES e "por orientação do presidente Lula", ficou decidido que o banco elaboraria uma agenda de ações para o período de 2011 a 2014, informa ata da reunião.
Em 2009, o BNDES aprovou oito contratos para a Odebrecht que somaram US$ 350 milhões, diz o MPF. "As concessões continuaram nos anos seguintes, quando a empresa firmou outros 22 contratos que chegaram a US$ 2 bilhões."
O MPF continua investigando financiamento do BNDES para obras no exterior. Há cinco investigações sendo tocadas e que abrangem as atuações de funcionários do BNDES, de representantes da Exergia Portugal (matriz da empresa de Taiguara) e de funcionários do governo de Angola.
A colaboração premiada de delatores ligados à Odebrecht que está sendo negociada na Operação Lava-Jato pode influir na investigação da Janus, caso fechada e homologada - os investigadores poderiam, por exemplo, pedir o aditamento da denúncia, se relatados fatos relativos ao caso.
A defesa de Lula informa que está analisando a denúncia, mas que o ex-presidente não participou das reuniões de BNDES, que são colegiadas. Diz ainda que Lula não tem relação com os negócios da Exergia Brasil e que Lula deu palestras a mais de 40 empresas, todas feitas da mesma forma e com pagamentos dentro da lei e similar a de outros ex-presidentes. A defesa de Taiguara Rodrigues está estudando o caso.
O BNDES informa que divulgará esta semana novos critérios e procedimentos para futuras operações de financiamento à exportação de bens e serviços de engenharia, em que serão incorporadas recomendações dos órgãos de controle e "reitera que colabora com os órgãos de controle e com a Polícia Federal, prestando todas as informações que sejam solicitadas".
A Odebrecht não comenta investigações em andamento
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