Por Bruno Peres e Vandson Lima – Valor Econômico
• "Tem que ouvir a voz das ruas. O poder não é nosso, é do povo. Essa audiência há de ser tomada pelo Executivo"
• "Se dissesse que não há preocupação com a delação da Odebrecht seria ingênuo. Vamos verificar caso a caso"
BRASÍLIA - O presidente Michel Temer convidou a imprensa neste domingo para, numa entrevista ao meio-dia, tendo ao lado os presidentes da Câmara e do Senado, garantir que não dará apoio a qualquer tipo de anistia eleitoral que, segundo Rodrigo Maia (DEM) e Renan Calheiros (PMDB), também não será aprovada no Parlamento.
Numa ofensiva de enfrentamento da crise política do momento, a mais grave nos dois meses e meio de mandato efetivo, provocada pelo movimento legislativo a favor da anistia eleitoral e pela demissão dos ex-ministros da Cultura Marcelo Calero, que saiu atirando sobre o próprio presidente, cuja conversa gravou sem autorização, e da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima, por tentativa de tráfico de influência, Temer concordou que as preocupações aumentam com a aproximação da delação da Odebrecht na investigação da Lava-Jato. Nela, pelo menos 150 políticos estariam implicados. "Se dissesse que não há preocupação com a delação da Odebrecht seria ingênuo".
Os presidentes dos poderes Executivo e Legislativo anunciaram um acordo para barrar no Congresso Nacional qualquer proposta que leve ao que se convencionou chamar de anistia a práticas de caixa dois eleitoral.
O presidente assegurou que o governo não está parado e relacionou o que já conseguiu fazer neste mandato, que reafirma ter assumido por determinação constitucional com o objetivo de estancar a recessão, numa primeira etapa, e promover o crescimento e o emprego, numa segunda. Anunciou que já se pode aumentar a intensidade das medidas que visam o crescimento, com incentivos a setores como indústria, comércio e agronegócio, e até falou da redução de juros como um desejo. Está informado pela equipe econômica que, resultados, só a partir do segundo semestre de 2017.
Temer respondeu às perguntas sobre sua atuação no episódio envolvendo o impasse na liberação de um empreendimento imobiliário em Salvador, de interesse de seu aliado e agora ex-ministro da Secretaria de Governo. Geddel deixou o cargo na última sexta-feira, uma semana após a saída de Calero do Ministério da Cultura, em meio a acusações de tentativa de tráfico de influência e ingerência política.
Temer desafiou o ex-ministro da Cultura a expor algo que o comprometa nas gravações da conversa com o presidente. "Ministro gravar presidente da República é gravíssimo. Se gravou, exijo que venha à luz. Sou cuidadoso nas palavras, jamais diria algo inadequado", disse Temer.
Admitiu, contudo, que o caso acabou por atingi-lo negativamente. "Ganhou dimensão extraordinária, porque colocou [a crise] no meu colo, como se diz", apontou. Temer reconheceu ainda que, "talvez, tivesse sido melhor" se Geddel tivesse saído antes do cargo, mas reafirmou, em diferentes momentos, que seu estilo não é sumário, nem autoritário. Ressaltou sua capacidade de diálogo e mediação em todos os cargos que ocupou até agora.
Segundo Temer, há unanimidade entre dirigentes do Executivo e do Legislativo em relação à inadequação de se aprovar a anistia ao chamado caixa 2. A articulação no Congresso em torno dessa mudança causou imediata reação negativa da opinião pública. "Tem que ouvir a voz das ruas. O poder não é nosso. É do povo. Quando o povo se manifesta, essa audiência há de ser tomada pelo Legislativo e o Executivo", disse Temer, lembrando ainda a onda de protestos de rua iniciada em junho de 2013 no governo Dilma Rousseff.
"Estabeleceu-se um diálogo muito produtivo entre os dois Poderes", avaliou o presidente, procurando demonstrar confiança de que, apesar do abalo na imagem do governo, medidas estruturantes estão sendo encaminhadas.
Com discursos bem alinhados, Maia e Renan alegaram haver uma "confusão de comunicação" no debate sobre a possibilidade de conceder anistia a crimes eleitorais no âmbito da análise do pacote de "10 medidas contra a corrupção", em tramitação na Câmara dos Deputados.
Os dois parlamentares compararam esse caso com os benefícios concedidos a partir da regularização de recursos mantidos ilegalmente no exterior. "Nossa intenção nunca foi anistiar crimes. Óbvio que não se fala de anistia de crimes eleitorais, mas de outros crimes, como aconteceu na repatriação", observou Rodrigo Maia.
Renan corroborou o pacto firmado com a Presidência da República para impedir qualquer proposta nesse sentido. "Estamos fazendo um acordo, um ajuste institucional no sentido de que não haverá apreciação de anistia de crime eleitoral. Os presidentes da Câmara e do Senado concordam que essa matéria não deve tramitar. Temos outras prioridades para o Brasil".
O pemedebista já havia se antecipado e divulgado nota à imprensa, no sábado, para afirmar pauta legislativa programada para até o fim deste ano a partir do entendimento de lideranças do Senado. "Em razão dessa pauta, o Senado não vai votar qualquer projeto que envolva anistias de campanhas eleitorais, poupando o senhor presidente da República de veto ou sanção sobre matérias dessa natureza", dissera Renan.
Temer demonstrou indignação com a postura do ex-ministro Marcelo Calero, em função de diferentes versões sobre gravações feitas por ele próprio de conversas com o presidente e alguns de seus auxiliares mais próximos, às vésperas de deixar o cargo, sob a alegação de não compactuar com gestões do governo para atender interesses pessoais de ministros.
"Acho que gravar conversa clandestinamente é sempre indigno", afirmou Temer, ampliando os adjetivos para qualificar a atitude de Calero: "gravação clandestina, ilógica, desarrazoada".
O presidente relatou as conversas com o ex-ministro da Cultura e reiterou que orientou Calero a procurar a Advocacia-Geral da União (AGU). "Eu estava arbitrando conflitos, é o que mais fiz na minha vida. É o que mais faço na Presidência da República". O conflito, no caso, era entre o Iphan da Bahia e o Iphan nacional. O presidente sugeriu que quando há conflito, e o ministro não quer arbitrar, pode encaminhar o caso à Advocacia Geral a União. Ao contar sobre os dois dias em que Marcelo Calero foi e voltou até tornar irrevogável seu pedido de demissão, inclusive repetindo a mesma argumentação nas audiências, o presidente insinua uma armação.
Por conta do episódio, Temer chegou a dizer que avalia pedir ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) que grave todas as suas audiências públicas.
"É sério, estou pensando em pedir ao GSI para que grave todas as reuniões com o presidente. Vou examinar essa hipótese. É uma depuração dos costumes. Talvez deste limão façamos uma limonada institucional", disse.
A escolha do substituto de Geddel ainda está em aberto, de acordo com o presidente. "Estou avaliando com muito cuidado quem pode ir para a articulação política. O perfil será de alguém com lisura absoluta e boa interlocução com Congresso", disse.
Temer ressaltou, no entanto, que ele próprio sempre foi muito ativo na articulação política junto ao legislativo - e assim continuará sendo. "Sempre fiz articulação política. Nunca deixei de fazer reuniões e manter contato com o Congresso. Essa articulação eu faço com muita naturalidade, e a faço por uma razão singela: você tem que dialogar com a força popular que representa o Congresso", justificou.
Temer fez questão de dizer que, seja na gestão de crises ou na condução política rotineira, seguirá à sua maneira, sem lançar mão de um "comportamento autoritário", fora do seu habitual.
O impacto no cenário político da delação de executivos da Odebrecht causa preocupação ao presidente. "Se dissesse que não há preocupação com delação da Odebrecht seria ingênuo. Claro que há preocupação, de natureza institucional. Vamos verificar caso a caso que possa envolver ministros", avaliou.
Sobre o fim da "lua-de-mel" do mercado financeiro e agentes econômicos com seu governo, por conta das crises recorrentes, Temer rebateu: "Vamos desmistificar, acho que nunca houve lua-de-mel. Desde o primeiro momento, houve fel. Houve gente que fez muita campanha contra", observou.
Para Temer, mantém-se a confiança de que as medidas estruturais estão sendo tomadas. "Não vejo crítica à equipe econômica, que trabalha ativamente para sair da recessão. Eventuais resultados se darão a partir do segundo semestre do ano que vem. Não estamos parados, estamos trabalhando para gerar crescimento, que virá pouco a pouco. Primeiro, é preciso esperança, depois confiança, que vem crescendo. Vamos tomando atitude que deve gerar mais confiança".
Na entrevista, Temer afirmou ainda que houve, no primeiro momento de seu governo "uma pequena redução" da taxa básica de juros e destacou ter mantido conversas,nesse sentido, com a ressalva que a competência técnica é do Banco Central (BC) para essa questão.
"Sempre se coloca a questão dos juros. É uma matéria que a Presidência da República não entra diretamente porque isso faz parte de uma avaliação técnica do Banco Central", disse Temer. "Mas evidentemente o objetivo das conversas que tenho tido é na busca da eventual redução dos juros no país", acrescentou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário