Gustavo Uribe, Daniel Carvalho, Valdo Cruz, Débora Álvares – Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Imerso em sua pior crise desde que assumiu a Presidência da República, em maio deste ano, Michel Temer começou neste domingo (27) a tentar emplacar uma agenda positiva, demonstrando estar atento à "voz das ruas".
O presidente convocou de última hora uma entrevista em um dia atípico para anunciar um "ajustamento institucional" para impedir a tramitação de qualquer proposta de anistia para crime de caixa dois eleitoral, um projeto que seria vetado caso aprovado pelo Congresso Nacional.
O anúncio foi feito em conjunto com os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que sempre negaram qualquer tentativa nesse sentido.
A ideia de fazer um pronunciamento partiu do próprio Temer e de alguns assessores. Para afinar o discurso, ele entrou em contato com Renan e convidou Maia para uma audiência no Palácio do Jaburu. Os três, então, concordaram com a entrevista e anunciaram para a imprensa no sábado à noite (26).
"Temos feito, o Executivo e o Legislativo, um ajustamento institucional com vistas a, se for possível, impedir a tramitação de qualquer proposta que vise a chamada anistia", afirmou Michel Temer. "Acordamos que não há a menor condição de levar adiante essa proposta."
A ideia era apresentar uma emenda ao projeto que trata de medidas anticorrupção. O texto deve ser votado na Câmara nesta terça (29).
Já havia articulação para que o texto fosse levado imediatamente ao Senado, onde seria votado sem demora.
Deputados e senadores corriam contra o tempo para que as alterações na lei fossem aprovadas antes que a delação premiada de executivos da Odebrecht fizesse as primeiras vítimas.
A repercussão negativa da manobra deixou em alerta Executivo e Legislativo. Além disso, o Palácio do Planalto detectou movimento em redes sociais convocando protestos contra a anistia e decidiu atender as ruas.
Somou-se a isso a crise que se instalou sobre o Palácio do Planalto desde que o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero denunciou que o então ministro Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, atuou na esfera governamental para garantir interesses pessoais em Salvador (BA), sua base eleitoral.
"Verificamos que era preciso atender o que chamamos de 'a voz das ruas', que é a reprodução de um dispositivo constitucional que diz que o poder não é nosso, mas do povo. Neste momento, estamos assistindo a uma mobilização das ruas e haveremos de atendê-las."
REAÇÃO
Neste domingo, Maia voltou a negar que houvesse qualquer articulação no Congresso para anistiar quem cometeu crime de caixa dois.
Embora tenha ficado ao lado de Temer durante todo o anúncio do acordo, o parlamentar afirmou que "o presidente da República fala de um veto de algo que não existe". "Já disse que não tem anistia", Maia, dizendo que nem existe proposta oficial [de anistia] na Câmara.
Apesar das declarações de Maia, líderes de todos os partidos governistas e até do PT tinham acertado a votação da medida, em reunião com o próprio presidente da Câmara, mas recuaram por causa das críticas.
Já Renan Calheiros disse que anistia não é uma prioridade para o país. "Essa matéria não deve tramitar. Temos outras prioridades para o Brasil", afirmou.
O líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), classificou de "constrangedor" o movimento de convocar a imprensa em um domingo para tratar do tema.
Para o deputado, a reação expõe uma "fragilidade" no governo Temer e um temor de "revolta popular".
Aliado de Temer, o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), avaliou que a entrevista coletiva foi esclarecedora. "Nem ele nem ninguém em sã consciência sancionaria uma coisa dessas."
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