- O Estado de S. Paulo
• Protecionismo de Trump tende a encolher economia global, afetando a atividade no Brasil
Quando Donald Trump surpreendeu o mundo com a vitória nas eleições presidenciais americanas da semana passada, as primeiras avaliações sobre o impacto do evento na economia brasileira foram relativamente otimistas.
Partindo da constatação de que o Brasil é bastante fechado ao intercâmbio com o exterior, concluiu-se que o País seria pouco afetado pelo prometido protecionismo do novo presidente americano.
A movimentação nos mercados financeiros, inclusive no Brasil, nos dias que se seguiram ao fechamento das urnas nos Estados Unidos, contudo, foi suficiente para comprovar a falha dessas análises iniciais. Prevendo ondas de valorização do dólar, em todos os cantos do planeta, as bolsas de ativos chacoalharam forte, com quedas livres nos mercados de ações e perdas acentuadas de moedas locais ante o dólar.
Não foi diferente no Brasil, onde a Bolsa de Valores passou a somar pregões sucessivos de baixa e o mercado cambial disparou, exigindo uma atuação ativa do Banco Central para conter a escalada da moeda americana. Só na sexta-feira foram três intervenções diretas, ao custo de US$ 1,7 bilhão, para evitar que a cotação do dólar superasse R$ 3,50 — e, aparentemente, sem sucesso garantido, a julgar pela tensão na abertura do mercado de câmbio ontem.
Formou-se um quase imediato consenso de que o programa econômico mínimo que Trump tentará aplicar, mesmo livre da profusão de pistas falsas que lançou na campanha eleitoral e depois dos filtros do célebre sistema americano de freios e contrapesos políticos e institucionais, tem um claro viés inflacionário. A inflação seria alimentada pelo canal da política fiscal expansionista prometida pelo presidente eleito para impulsionar a economia. A pressão altista viria da combinação de cortes de impostos com aumento de gastos públicos em defesa e infraestrutura, em um quadro de restrição orçamentária, expressa por uma relação dívida pública/PIB acima de 100%.
A leitura generalizada desse processo é a de que o Federal Reserve terá de elevar mais e mais rápido a taxa de juros de referência na economia americana. Ainda que não se saiba como Trump e o Fed vão se relacionar – na campanha, ele criticou a atual presidente, Janet Yellen –, o que é mais um entre tantos novos elementos de incerteza a dificultar a recuperação da economia global, foi a expectativa de que seja inevitável uma alta mais acelerada dos juros que produziu o remelexo registrado nos mercados financeiros.
No caso da taxa de câmbio, mais uma vez, o real só não liderou a onda de desvalorização das moedas ante o dólar porque o peso mexicano respondeu com quedas mais profundas aos xenófobos ataques de Trump ao México e aos acordos de comércio mantidos com o país vizinho. Isso se deve ao fato de que, se a economia brasileira é fechada ao exterior em termos comerciais, poucas, entre as emergentes, são tão abertas no campo financeiro – e, sobretudo na área de câmbio. Com a volatilidade nas cotações do dólar e a tendência de alta ante o real, as projeções de tamanho e velocidade dos cortes nas taxas de juros, a partir da expectativa de um recuo mais lento da inflação, sofreram uma quase imediata acomodação.
Desse modo, por vasos comunicantes e decantação, essa possível freada na marcha dos juros logo estará dando suporte a estimativas de recuperação mais dificultosa e lenta da atividade econômica, compatível com um crescimento abaixo de 1%, em 2017, menos da metade do que alguns especialistas mais entusiasmados já chegaram a prever.
Apesar da economia fechada, a atividade econômica, no País, exibe, historicamente, enorme aderência aos ciclos de expansão e recessão da economia global. Se o volume do comércio internacional já vinha em queda, com o previsto impulso protecionista liderado por Trump, a tendência é encolher ainda mais, entupindo um canal importante de crescimento mundial e, por extensão, da economia brasileira.
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