- O Globo
• É isso: esperança.... Afinal, a vida continua... É, mas que vida?
Só nos resta uma ridícula esperança: “Ahhh... vai ver ele não é tão mau assim... talvez ele seja legal... bonzinho...”. Mas o que aconteceu é gravíssimo, é a prova de uma nova era terrível não apenas na América, mas no mundo. A democracia liberal que floresceu com o fim da Guerra Fria, com a queda da União Soviética, vai acabar. Será? Ninguém sabe, mas é provável, com a vitória desse palhaço da TV que a democracia (!) transformou no homem mais poderoso da Terra.
É inacreditável, mas aconteceu. Os avanços políticos e culturais da América serão jogados 50 anos para trás. Foi a vitória da lunatic fringe — os loucos que espreitavam das margens da opinião pública. O Congresso e o Judiciário estarão em suas mãos, as 40 mil ogivas estarão em suas mãos, o mais poderoso exército do mundo em suas mãos pequenas, os códigos nucleares estarão sob aquele horrendo dedinho que ele ostentou o ano todo.
Agora, teremos de ver a cara desse rato por quatro anos, a menos que ele morra, pois nem impeachment será possível. Os democratas fizeram o possível para defender o governo Obama, o melhor das últimas décadas nos EUA, mas isso não comove as massas que ainda sofrem com o desemprego que o Bush deixou como a herança maldita e que o Obama conseguiu consertar em grande parte. Não reconhecem isso, pois são estúpidas, desinformadas que formam um país subterrâneo que agora irrompeu, como um esgoto. Vai explicar a essa gente o quebra-cabeças do mundo atual, nesta fase delicadíssima de guerras localizadas e de multidões-bomba. Sua vitória estava escrita na insatisfação mundial com a democracia globalizada. O irracionalismo surge como uma forma rápida de resolver tensões e crises. Chega de “razão”, chega de “sensatez”. Trump é um resultado.
No mundo todo, surgiram as caras horrendas que por si só já denotam a trágica mudança. Vejam a cara de porco do novo presidente das Filipinas, o Dutarte, que manda a população matar drogados e viados; vejam o Putin, maldoso psicopata, o homem mau de filme de James Bond, que agora os países do Leste europeu começam a admirar; vejam a saída da Inglaterra da União Europeia; vejam o pré-ditador Erdogan da Turquia; vejam o outro porquinho do mal da Coreia do Norte, um pesadelo stalinista cômico; vejam o pescoço de girafa maldita do Assad matando o próprio povo; vejam a alegria da perua de extrema direita Marine Le Pen; vejam o neonazismo na Alemanha e na Áustria se arreganhando; vejam o presidente Orban da Hungria; vejam o que restou da democracia (rs rs) da Primavera Árabe; vejam a popularidade do Hofer da Áustria; vejam a popularidade até da direita na Dinamarca, até do partido popular na Suíça. Todos esses movimentos eram subestimados pela fé na liberdade, sustentada pelo oásis da sagrada democracia americana.
A tragédia da vitória de Trump não foi um raio em céu azul. Como era tudo inimaginável, quase um filme de terror, os democratas se despreocuparam, a mídia ficou ingênua, e ninguém viu que, na sociedade do espetáculo, a longa exposição na TV podia eleger o elemento. Trump ficou um ano no ar. Virou um show. Virou um hábito. Não importa o conteúdo das plataformas; só valeram as promessas impossíveis e o precioso cultivo da paranoia. Creio mesmo que eles gostam do mais escroto e ridículo, como se a grossura fosse uma espécie de coragem.
Convenhamos que, como show, o Trump era mais fascinante do que a sorridente figura sensata de Hillary. E a América cometeu um suicídio. É a rebelião dos imbecis...
Eu já morei na Flórida e conheço bem essa estupidez. É diferente da estupidez brasileira, pois não é fruto de analfabetismo ou de cultura zero. Lá, a boçalidade tem mais chão, é mais sólida e forma uma rede ideológica que prospera na classe média do país todo. Lá, a boçalidade tem fundamentos. São monoglotas que nada sabem do mundo exterior. Consideram-se uma nação excepcional que tem de repelir diferenças — o que mais odeiam: os negros, os gays, os latinos, os muçulmanos têm de ser banidos.
E, com o mundo cada vez mais intrincado, os estúpidos tendem para o isolacionismo mental, para certezas totalitárias, com ódio da política. Assim, o oásis americano virou miragem. O sustentáculo da liberdade virou o chefe da direita em ascensão, o país que inventou a democracia moderna conhece agora o gosto da banana de repúblicas latinas.
Isso nos obriga a pensar na democracia liberal e suas fragilidades, começando pelas conhecidas previsões de Alexis de Tocqueville em 1831 de que o perigo era a “ditadura da maioria”, que seria dominada por uma ratazana como Trump. Rolou.
É estranho que um sujeito eleito na América possa ameaçar o mundo todo. Deveria haver filtros (quais?) que protegessem o país de uma calamidade como essa.
Depois de um ano de inferno eleitoral, vemos também que a democracia americana tem um método de votação que denota uma desconfiança básica no voto universal. Em casos extremos como esse, a democracia virou uma “capa” para legitimar a vitória desse crápula.
Tudo desaguou no arcaico Colégio Eleitoral, onde Hillary perdeu, mesmo tendo a maioria dos votos populares. Isso já aconteceu quatro vezes na História, desde John Adams até Al Gore, derrotado pelo Bush, o pré-Trump no ano 2000. A ideia de definir a presidência por meio de um corpo de delegados surgiu no século XVIII e é atribuída aos chamados “pais fundadores” dos EUA.
Naquela remota época, realizar uma campanha eleitoral popular e universal era quase impossível devido ao tamanho do país e às dificuldades de comunicação. Os estados ficaram temerosos por seus direitos, e o voto popular era temido por sua imprevisibilidade. Hoje, muita gente já discute a eliminação desse método excludente e indireto. Mas, como é uma emenda constitucional, não passa nem por um cacete nesse Congresso dominado pelos republicanos. Espero que cresça o movimento, na outra metade do povo, de repúdio a essa eleição, de modo a haver algum limite à estupidez criminosa desses KKKs disfarçados.
É isso: esperança.... Afinal, a vida continua... É, mas que vida?
Um comentário:
No Brasil, fizemos pior, elegemos Lula e depois a Dilma.
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