Centrista e Le Pen disputarão 2º turno na França; em situação inédita, socialista e conservador ficam de fora
Num resultado histórico, que pela primeira vez deixou de fora os dois tradicionais partidos de direita e esquerda que há décadas se alternavam no comando do país, o centrista Emmanuel Macron e a líder da extrema-direita, Marine Le Pen, venceram ontem uma acirrada disputa nas urnas e vão se enfrentar no segundo turno das eleições presidenciais francesas, em 7 de maio. Logo após a confirmação da derrota, o socialista Benoît Hamon e o conservador François Fillon declararam apoio a Macron. “O extremismo só pode trazer desgraça e divisão”, justificou Fillon. Macron disse querer ser o presidente contra a “ameaça dos nacionalistas”, enquanto Le Pen quer “libertar o país das elites arrogantes”. Líderes da UE celebraram o êxito do ex-ministro, que em pesquisas feitas ontem tinha 64% das intenções de voto no segundo turno.
Aliança antiextremista
Macron passa ao 2º turno com Le Pen e já obtém apoio de ex-rivais socialista e conservador
Fernando Eichenberg | O Globo
-PARIS- Num pleito histórico, os franceses elegeram o centrista Emmanuel Macron, do movimento Em Marcha!, e a líder da extrema-direita, Marine Le Pen, da Frente Nacional (FN), para a disputa do segundo turno presidencial, em 7 de maio. Os líderes dos dois tradicionais partidos excluídos do duelo final apelaram pela união em torno da candidatura de Macron para barrar a possibilidade de vitória da direita radical. O conservador François Fillon, de Os Republicanos (LR, na sigla em francês), e Benoît Hamon, do Partido Socialista (PS), manifestaram seu apoio ao candidato centrista. Quarto colocado, Jean-Luc Mélenchon, do movimento de esquerda radical Frente Insubmissa, disse que esperaria os resultados oficiais da eleição para depois consultar suas bases eleitorais e, eventualmente, indicar uma preferência de voto.
Em duas pesquisas de opinião realizadas após a divulgação do nome dos dois finalistas, Macron venceria Le Pen no segundo turno por entre 62% e 64%, contra 36% a 38% da rival. A cotação do euro subiu nos mercados asiáticos logo após a divulgação dos primeiros resultados. Com 97% dos votos apurados no fim da noite de ontem, o ex-ministro tinha 23,86%, contra 21,45% da eurodeputada.
LÍDERES EUROPEUS CELEBRAM ÊXITO DE MACRON
Macron, que aos 39 anos se tornou o candidato mais jovem a se classificar para o segundo turno de uma eleição presidencial francesa, agradeceu o apoio recebido por Fillon e Hamon contra Le Pen, e, em pronunciamento diante de seus partidários, apelou à união por uma virada política no país.
— Desejo nos próximos dias me tornar seu presidente. O presidente dos patriotas contra a ameaça dos nacionalistas. O desafio a partir de agora não é o de votar contra quem quer que seja, mas o de abrir uma nova página da vida política francesa.
Macron defendeu uma Europa forte e conclamou os franceses a formar uma nova Assembleia Nacional a partir das eleições legislativas de junho:
— Os franceses expressaram seu desejo de renovação. É determinante agir para obter a maioria (parlamentar) mais ampla possível para proceder à união de todos os progressistas. A força desta união será determinante para presidir e para governar.
Macron recebeu felicitações das lideranças europeias, como o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e do governo alemão.
— Estou certo de que (Macron) varrerá do segundo turno a extrema-direita, o populismo de direita, os antieuropeus — declarou o vice-chanceler federal alemão, Sigmar Gabriel.
Quinze anos após o pai, Jean-Marie Le Pen, ter alcançado o segundo turno do pleito presidencial (em 2002, sendo derrotado depois por Jacques Chirac), Marine Le Pen repetiu o feito. Com mais de 7,6 milhões de votos, a FN ultrapassou seu recorde de sufrágios obtidos numa eleição.
— Este resultado é histórico — celebrou ela em seu reduto de Hénin-Beaumont, Norte do país. — É hora de libertar o povo francês das elites arrogantes que querem ditar sua conduta.
Autoproclamada a única candidata da “verdadeira ruptura” política, ela disse que os franceses deverão agora escolher entre a “desregulação total e sem proteção” e uma França “de fronteiras que protegem nossos empregos, poder de compra, segurança e identidade nacional”. E aproveitou para atacar o rival do segundo turno.
— Não será, evidentemente, com o herdeiro de François Hollande, de todos os seus fracassos e deste quinquênio catastrófico, que virá a grande alternância tão esperada — disparou.
O pleito deste ano estabelece um ineditismo: pela primeira vez na 5ª República (instituída em 1958), as duas tradicionais forças políticas de direita (LR) e de esquerda (PS) do país ficaram de fora da fase decisiva. François Fillon denunciou as denúncias de corrupção que sacudiram sua campanha, assumiu suas responsabilidades pela derrota, e solicitou a união dos eleitores de direita e do centro para as eleições legislativas. Para o segundo turno presidencial, sua recomendação foi clara:
— A abstenção não está nos meus genes, sobretudo quando a extrema-direita passa pelo primeiro turno. O extremismo só pode trazer desgraça e divisão. Eu votarei em Emmanuel Macron — afirmou.
O PS sofreu o pior resultado obtido pelo partido em eleições presidenciais. Seu candidato, Benoît Hamon, amargou um desempenho inferior a 7%.
— Fracassei em evitar o desastre que se anunciava há meses. Este fracasso é um verdadeiro golpe. Compreendo a sanção histórica, legítima, para o partido. Basta de nossa loucura autodestruidora que faz esquecer os valores do socialismo — desabafou, abatido, antes de apoiar Macron contra “uma inimiga da República”.
Eleitores de Jean-Luc Mélenchon culpam a recusa de Benoît Hamon em se aliar à Frente Insubmissa como principal causa da ausência de seu candidato no segundo turno. Ontem, Mélenchon se recusou a solicitar qualquer voto a seus eleitores.
— O resultado anunciado não é aquele que esperávamos — admitiu. — Eu não saberia o que dizer nem o que fazer a esta hora. Cada um entre vocês sabe em sua consciência qual o seu dever, ao qual me associo. Não recebi nenhum mandato das 450 mil pessoas que decidiram apresentar minha candidatura para me expressar em seu nome sobre a sequência dos fatos.
O presidente François Hollande deverá fazer nos próximos dias, como prometido, uma declaração de indicação de voto, certamente contra a FN.
A eleição foi realizada sob tensão e proteção das forças de segurança após o atentado que matou um policial na Avenida Champs-Elysées. O perímetro ao redor de uma seção eleitoral perto do bairro de Saint-Germain-des-Près, em Paris, foi bloqueado por uma hora por suspeita de carro-bomba. Na Praça da Bastilha, duas pessoas ficaram feridas em confronto da polícia com manifestantes “antifascistas e anticapitalistas” contra Macron e Le Pen.
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