A face verdadeira do governo de Nicolás Maduro se revelou na retirada dos poderes da Assembleia Nacional e não em seu recuo, dois dias depois. Aturdido por inflação de três dígitos, severa escassez de bens de consumo e pagamentos futuros da dívida externa de US$ 110 bilhões, com reservas que sequer chegam à metade dessa quantia, Maduro não tolera oposições. A manobra do Tribunal Supremo de Justiça, na quarta-feira, foi mais uma demonstração explícita de que o chavismo não sairá do poder pela vontade das urnas.
À vitória que colocou o Congresso sob domínio oposicionista em dezembro de 2015 seguiram-se, já a partir de janeiro de 2016, a anulação e invalidação de todos os seus atos pelo TSJ. A Justiça bolivariana, dependente do Executivo, considera o Legislativo em desacato por não ter impedido a titulação de três deputados do Estado de Amazonas, acusados de fraudes eleitorais. Com os três, os opositores conseguiriam os dois terços da Assembleia necessários para não só mudar a Constituição, mas também para remover a cúpula do TSJ.
A corrida de obstáculos dos partidos que são contra o chavismo tornou-se infinita e impossível de ser ganha. No auge de sua força nas ruas, eles amealharam mais de 4 milhões de assinaturas para a convocação do referendo revogatório, mecanismo constitucional que permite a substituição do presidente quando ele completa metade do mandato. O Conselho Nacional Eleitoral, também chavista, pediu a recontagem das assinaturas e ganhou tempo para impedir que ele ocorresse até a data limite, de 13 de janeiro. Depois, ainda que perdesse o referendo, Maduro seria substituído pelo vice-presidente, igualmente chavista.
Já a partir daí não houve mais nem referendo nem eleições. Os pleitos municipais e regionais, que deveriam ter sido realizados em 2016, não têm mais data marcada. Antes deles, a Justiça eleitoral determinou que os partidos sejam "validados", em um processo que, de 18 de fevereiro até 23 de abril, e só nos fins de semana, têm de registrar 0,5% dos eleitores em 12 Estados. Até mesmo aliados dos chavistas no Grande Polo Patriótico que sustenta o governo, como o decrépito Partido Comunista Venezuelano, consideram que as condições são exageradas, ameaçam sua existência. O Partido Socialista Unificado da Venezuela, que agrupa os chavistas, está dispensado da "validação".
O progressivo encurralamento da oposição é diretamente proporcional à perda de prestígio de Maduro e às pressões que seu governo sofre em todas as esferas. A mais excruciante vem do estágio avançado de deterioração econômica. O país está em recessão permanente, com inflação superior a 500%, aguda falta de bens básicos e tem dinheiro racionado para atender as carências de abastecimento por meio de importações - que caíram 65% em três anos. A pobreza aumentou, junto com a desnutrição.
Maduro tem pago pontualmente a conta externa para não correr o risco de expropriação de ativos no exterior, entre eles suas operações nos EUA. Mas está cada vez mais difícil fazer pagamentos em dia. Em meio à decisão da Justiça de pôr fim à imunidade dos parlamentares, sucedida pela "destituição" de todo o Legislativo, o TSJ deu a Maduro o poder de fazer joint ventures na área do petróleo sem autorização da Assembleia Nacional. O alvo dessa vez é o dinheiro russo da Rosneft, depois que os chineses parecem ter chegado ao limite da exposição em crédito e compras antecipadas de petróleo.
O governo chavista está isolado internacionalmente. O Mercosul suspendeu o país por não cumprir cláusulas de adesão e agora volta a colocar na mesa a cláusula democrática, pela qual a Venezuela poderá ser expulsa. A Organização dos Estados Americanos segue a mesma tendência. Maduro hostiliza a vizinha Colômbia e insulta o próprio bloco, ao chamar os governos do Paraguai, Argentina e Brasil de "Tríplice Aliança". O vice-presidente Tareck el Aissami não pode pisar nos EUA, cujos órgãos de inteligência detectaram milhões de dólares em suas contas provenientes de tráfico de drogas. Aissami disse que as acusações são o "reconhecimento da minha condição de revolucionário anti-imperialista".
O governo chavista mostra-se inteiramente apático na busca de saídas para a crise econômica, enquanto acirra as crises política e social. Blindado por quase um terço dos ministérios nas mãos dos militares, com controle da Justiça, inclusive a eleitoral, Maduro não tem qualquer rumo a dar ao país, a não ser persistir em longa e dolorosa agonia.
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