- O Globo
Crise não é motivo para impedir ação contra a chapa. A defesa do presidente Michel Temer tenta separar as duas metades da chapa eleita em 2014, mas usa os mesmos argumentos sustentados pela defesa da ex-presidente Dilma Rousseff. Ambos querem que os depoimentos da Odebrecht não sejam considerados, já que foram prestados muito tempo depois da denúncia feita originalmente pelo PSDB.
Nos argumentos da defesa, os dois integrantes da chapa se igualam, tanto que confirmam serem partes de uma mesma unidade. Hoje a chapa Dilma-Temer começa a ser julgada com a apresentação do voto do relator Herman Benjamin, exatamente dois anos, cinco meses e nove dias após a eleição que os reconduziu aos cargos. Demorou tanto esta ação que o mandato está na sua segunda metade e é exercido pela segunda pessoa da chapa. Passou tanto tempo que já não é possível realizar outra eleição direta, e a escolha de um sucessor, em caso de dupla vacância, tem que ser feita pelo Congresso. Exatamente este que aí está. No caso, a Justiça falha porque tardou.
Na economia, o quadro é de melhora lenta. A cada semana, as previsões dos economistas ouvidos pelo Banco Central melhora um pouco mais. No Boletim divulgado esta semana pelo Banco Central, as projeções são de que a inflação ficará abaixo do centro da meta, os juros no final do ano estarão menores do que 9%e o país terá um crescimento, ainda que modestíssimo. Os cenários são feitos pelos economistas como se o país não estivesse atravessando mais um pico de tensão, que pode alterar as variáveis econômicas. Uma nova mudança de governo não está no preço, por isso dependendo da evolução dos eventos no TSE pode haver turbulência no mercado.
O ex-presidente Fernando Henrique falou em confusão e disse que isso assusta o investidor internacional. De fato, assusta. Como explicar para um estrangeiro a sucessão enlouquecida de eventos neste mandato presidencial? Por outro lado, não faz sentido suspender o processo iniciado — a propósito, pelo próprio PSDB — porque agora é inconveniente ou porque haverá turbulência econômica.
Os depoimentos da Odebrecht confirmam o que já se sabia sobre a campanha que levou a chapa Dilma-Temer ao poder novamente. Houve abuso de poder econômico. Pela delação da construtora, houve caixa dois, parte do dinheiro foi para comprar o tempo de TV dos partidos menores, inclusive do ideológico PC do B, outra parte pagou um extra aos marqueteiros Santana-Mônica. Aliás, é espantoso que com toda a dinheirama que receberam no oficial, os marqueteiros tenham sido aquinhoados com milhões no exterior. O volume de recursos movimentado pela chapa vencedora mostra que as campanhas políticas no Brasil perderam qualquer razoabilidade.
Foi tão abusiva a campanha que o partido perdedor foi ao TSE imediatamente após o resultado das urnas. Os fatos confirmaram a acusação dos tucanos. A delação da Odebrecht ocorreu muito tempo depois de iniciada a ação, e é por isso que a defesa do presidente Temer tenta evitar que ela seja incorporada aos autos. Os depoimentos da construtora, no entanto, se referem a fatos que ocorreram durante a campanha, ainda que tenham sido revelados depois. Não foi levantado o sigilo dos depoimentos. Mesmo assim, o que se sabe já é tão devastador que seria difícil para qualquer julgador deixar de lado esses depoimentos.
Essa separação do inseparável também foi tentada pela defesa da ex-presidente Dilma durante o julgamento do impeachment no Senado. A tese era que as pedaladas de 2014 não poderiam ser consideradas, porque ocorreram no primeiro mandato e não no segundo. Foi impossível, no entanto, se abstrair daqueles fatos porque eles tiveram consequência no segundo mandato. O primeiro ano foi todo tomado pela tentativa de desfazer as pedaladas, o que levou ao pagamento de mais de R$ 50 bilhões aos bancos públicos no último dia útil de 2015.
Qualquer que seja o desfecho — afastamento do presidente ou prolongamento da ação até o fim do mandato — esse processo vai provocar turbulências de curto prazo na economia, mas ajudará o Brasil a construir novos parâmetros para as campanhas políticas sem os explícitos abusos que ocorreram na última disputa presidencial.
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