- O Globo
Pouco antes de 11 da noite de 4 de maio de 1937, morria o cidadão carioca Noel de Medeiros Rosa. No dia seguinte, começava a morrer a fama do compositor Noel Rosa, fama esta que só renasceria 13 anos depois. Se a morte do cidadão carioca dispensa explicação (havia três anos que ele lutava contra a tuberculose), o começo da outra morte parecia ser mesmo o destino de todo compositor brasileiro que partia antes que a música popular tivesse a importância que ainda teria.
Os jornais pouco falaram da morte do jovem de 26 anos, ocorrida no chalé da família, hoje um edifício de apartamentos em Vila Isabel. Se um deles pensou em repercutir a reação do meio musical à perda de um de seus nomes mais representativos, logo desistiu em nome de fato “mais importante”. Ou, pelo menos, mais jornalístico: o incêndio do dirigível alemão Hindenburg, nos EUA, com 97 mortos.
O devido destaque para morte e enterro de Noel só foi acontecer na semana seguinte, em revistas como “Carioca” e “Sintonia” e em emocionados programas de rádio. Depois disso, silêncio.
Daquele 4 de maio até dezembro de 1950, quando Noel estaria comemorando seus 40 anos, os discos com canções suas foram desaparecendo. Durante aqueles mesmos 13 anos, foi de apenas 19 o número de novas gravações dessas canções, cinco delas já contratadas pelos selos Victor e Odeon com Noel ainda vivo. Também essas 19 viraram, como todas as outras, peças de colecionador. Na ocasião dos 40 anos, quem conhecia Noel Rosa? Fora do meio musical, poucos.
O renascimento se deu de modo improvável. Convenceram o “barão” Maximilian von Stuckart, proprietário da boate Vogue, a acreditar que uma sambista como Aracy de Almeida poderia fazer mais sucesso ali do que as cantoras estrangeiras que ele costumava contratar. Coube a Aracy, em suas apresentações no Vogue, incluir em seu repertório canções de Noel, várias delas inéditas. Surpresos — e encantados, principalmente, com a originalidade das letras — os novos e mais sofisticados fãs de Aracy saíram atrás de discos de Noel. Sem êxito.
Diante disso, Braguinha, parceiro de Noel em “As pastorinhas”, convidou Aracy de Almeida para gravar na Continental um álbum com três discos de 78 rotações, só de sambas de Noel. O álbum, lançado no Natal de 1950, fez enorme sucesso. Tanto que, cinco meses depois, o segundo volume trazia de volta mais seis sambas, um dos quais, “Três apitos”, até então inédito. Mais um sucesso.
Desde então, a fama de Noel Rosa manteve-se viva. Ele talvez seja mais popular do que a quase totalidade de seus contemporâneos, mas continua representando uma geração, uma fase, um estilo, uma moda, que o tempo levou. O que o torna único, na data dos 80 anos de sua morte, é ter sido — e ainda ser — o único compositor popular brasileiro cuja fama, tendo começado a morrer com ele, nasceu outra vez.
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