- Valor Econômico
Lava-jato levou o voto a depender mais das corporações
O ministro Moreira Franco correu desabrido risco ao expor, em artigo, que a alternativa à reforma da Previdência é o caos. Não que lhe falte experiência para geri-lo, vide sua passagem pelo governo do Rio, nos anos 1980. O ministro rotula, antecipadamente, um resultado sobre o qual o governo ainda está longe de ter controle, como mostrou a tumultuada sessão de uma comissão especial escolhida a dedo.
Planilhado por um fuçador que gere investimentos de dez dígitos, o resultado da reforma trabalhista na Câmara é um preditor de voto mais seguro do que a sessão de ontem.
Naquela votação, que exigia maioria simples dos votos, o governo conseguiu a presença de 91% dos parlamentares. Se o quórum for o mesmo e a taxa de adesão se reproduzir, Moreira Franco terá que escrever uma guia de sobrevivência ao caos, uma vez que mudar a Previdência exige quórum constitucional (308 votos).
Se o governo conseguir comparecimento total, situação de rara ocorrência na Câmara dos Deputados, e reproduzir a taxa de adesão, terá uma gordura de 11 votos para aprovar a reforma. Pela amplitude das perdas a serem impostas pela reforma da Previdência, no entanto, parlamentares experientes consideram que uma maioria inferior a 50 votos não é segura para enfrentar o plenário.
Para chegar ao dia da votação - que ninguém sabe quando será - a maioria do governo apenas estaria segura se imprimisse à sua base a taxa de adesão demonstrada pelo PMDB (88%). O governo não precisaria chegar ao padrão DEM (100%) ou PSDB (97,7%), apenas contaminar sua base com o comportamento da legenda que o capitaneia. Mas o partido, na primeira vez em que tem um pemedebista de raiz na Presidência da República, não sinaliza nesta direção.
A retirada de cargos é a arma mais frequente, ainda que desigualmente distribuída. O governo mantém a retaliação no varejo enquanto o PSB, partido que não deu ao governo nem mesmo metade de seus votos à reforma trabalhista, mantém o poderoso Ministério das Minas e Energia.
Uma explicação para a dificuldade de arrancar adesão com cargos pode estar no caixa vazio. O buraco fiscal e a PEC dos gastos enfraqueceram o loteamento do governo como instrumento de coesão da base. Entre os parlamentares que controlam os laboratórios do Ministério da Agricultura, por exemplo, a expectativa é de que o orçamento não garantirá o custeio além de agosto. Não é uma autarquia qualquer. É instância de controle de produtos recentemente expostos à execração internacional, como a carne.
Sem dinheiro e com a perspectiva de aposentadoria precoce de servidores que deixarão seus cargos, amedrontados pela reforma da Previdência, postos federais na área de fiscalização se tornam estratégicos porque inoperantes. No recente episódio do confronto entre proprietários rurais e comunidades indígenas no interior do Maranhão, a ausência de reação da Funai é um exemplo da utilidade de um Estado que não funciona. Com um orçamento reduzido quase à metade daquele executado no ano passado, a Fundação Nacional do Índio não dá conta de mediar conflitos, o que acaba por favorecer interesses ruralistas cada vez mais assenhorados deste governo.
Se, por um lado, um Estado paralisado atende a interesses da base governista, por outro, à medida que as eleições se aproximam, é preciso mostrar algum serviço. A Lava-Jato dificultou a coisa. Como a operação indispõe o eleitor com o Congresso, a maioria dos parlamentares tende a se apegar cada vez mais ao voto das corporações. A quantidade de destaques apresentados à reforma da Previdência é um exemplo disso. O parlamentar até poderia se arriscar a votar contra direitos se tivesse um governo com gordura na qual pudesse pendurar a conta. Com 9% de popularidade, Temer é couro e osso.
No seu artigo, Moreira Franco estica a corda na tentativa de passar mudanças na Previdência, seja quais forem, mas não oferece cálculos seguros de que uma reforma desidratada é melhor que nenhuma. As prerrogativas previstas não põem em risco apenas o ganho fiscal da reforma, mas a anunciada intenção de reduzir as desigualdades no mundo do trabalho.
O governo não pagará para ver o caos prenunciado por seu ministro. Tende a arrastar a reforma até que possa atribuir suas dificuldades à disputa eleitoral de 2018. O país terá um encontro marcado com a fatura do impeachment. Gerida por um governo do PT, a crise levaria a uma sucessão marcada pela busca de um modelo reformista. Sob gestão pemedebista, o caos prenuncia uma disputa entre mercadores de ilusão.
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