- Folha de S. Paulo
Tomara que continue valendo o efeito Orloff, aquela pressuposição dos anos 1980 de que o Brasil de amanhã seria a Argentina de hoje. Se continua valendo, então o presidente argentino Mauricio Macri acaba de pôr na roda uma agenda revolucionária que, se copiada no Brasil para a campanha eleitoral de 2018, pode alçá-la a um patamar enriquecedor.
Macri está oferecendo aos argentinos um conjunto de reformas (trabalhista, tributária, previdenciária, entre outras) com nítido fundo liberal. Como no Brasil, aliás, mas com muito mais profundidade e com um amparo popular de que não goza seu colega Michel Temer.
Macri acaba de ganhar uma eleição (parcial) para o Legislativo, o que, em si mesmo, já é uma revolução. Jamais na história argentina um líder liberal ganhou eleições. A política foi feudo da União Cívica Radical (UCR, vinculada à Internacional Socialista) e do multifacetado peronismo, que vai da direita à esquerda, mas não pode ser tido como liberal.
O liberalismo tem má fama no país, em parte por ter se associado frequentemente aos militares para chegar ao poder, no que é a negação de sua essência: é indecente que liberais se vinculem a governos que violem as liberdades.
Agora, parece haver uma mudança no estado de espírito, o que permite a um liberal como Mauricio Macri apresentar uma agenda que vai além das reformas pontuais já citadas: o ponto de chegada do programa do presidente é uma profunda reforma do Estado, o que é igualmente revolucionário.
Na Argentina (como no Brasil), há uma fortíssima coligação de amantes das gordas tetas do Estado, no empresariado, no sindicalismo e, claro, na política.
Macri, aliás, no discurso em que apresentou suas reformas, perguntou a seus pares do empresariado se vão continuar "arrancando benefícios do governo de turno" ou se vão tomar o caminho da inovação para competir no mundo (a pergunta cabe também no Brasil).
Pode-se discutir a melhor forma de reformar o Estado (Macri não apresentou detalhes, o que impede avaliar a sua agenda em profundidade). O importante é tocar na ferida porque o Estado argentino fracassou redondamente, na democracia e na ditadura, com peronistas e com radicais.
Impossível discordar do filósofo Santiago Kovadloff quando ele diz, em artigo para "La Nación": "Não creio que, na história da América do Sul, haja outro país que se tenha exposto à decadência nos termos em que esteve a Argentina. [...] Seus notáveis acertos sociais e econômicos viraram fumaça".
Não dá para dizer a mesma coisa sobre o Brasil, que, ao contrário da Argentina, evoluiu, sim. Mas há tantos fracassos (educação, saúde, segurança, bem-estar social) que urge uma sacudida no Estado.
Seria formidável se a campanha eleitoral de 2018 debatesse o formato da sacudida. Um ponto é essencial: a obsessão de Macri é reduzir a pobreza, chaga permanente no Brasil e que, na Argentina, só sangrou devido à decadência.
Macri quer ser julgado pela obtenção ou não dessa meta. Não é objetivo habitual na retórica liberal —o que completa o caráter revolucionário da agenda que o argentino acaba de lançar.
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