- O Globo
Sem humor é difícil se aventurar em outra língua. E até achar uma saída nos descaminhos em que os dirigentes meteram o Brasil
Esta semana fui pegar uma credencial no Estádio Luzhniki, em Moscou, e ouvi vozes de turistas brasileiros. Em cada momento, ouvir nossas vozes tem um significado. No exílio, ou mesmo agora, quando o Brasil entra em parafuso, o impulso é sempre de salvá-lo dentro de nós, garantir sua continuidade através da teia de emoções.
Mesmo no período em que pesquisava a Rússia, o Brasil apareceu aqui e ali, de forma meio engraçada. Tenho dúvidas se as coisas aconteceram assim, não tive tempo de confirmá-las com os atores diretos.
No livro “Todos os homens do Kremlin”, Mikhail Zygar conta uma história de Putin que envolveu Dilma Rousseff. Foi numa reunião do Grupo dos 20, em Brisbaine, Australia, em 2015.
Segundo ele, os australianos e o Ocidente estavam querendo isolar Putin, depois da anexação da Crimeia. Os anfitriões australianos fizeram tudo para constranger o líder russo. O primeiro passo foi obrigá-lo a ficar na extremidade da foto, algo que jamais tinha acontecido com ele, e que deve tê-lo enfurecido, mas dificilmente um homem da antiga KGB expressaria emoções negativas.
À noite, segundo o autor, Putin foi afastado da mesa principal no jantar e ficou praticamente só na mesa com Dilma Rousseff. Duvido desse último lance. Dilma representava o Brasil, e a situação internacional do país era tranquila.
A outra história é mais pitoresca, ainda. Segundo dizem os autores do artigo, o presidente da Chechênia, Ramzam Kadyrov, organizou um jogo de futebol e um time chamado Brazil II. Kadyrov é fiel discípulo de Putin, gosta de esportes radicais, odeia opositores e gays.
Conta a lenda urbana que o jogo foi organizado pelo alemão Lothar Matthäus. O líder checheno entrou em campo e fez dois gols contra o Brasil, embora seu time tenha perdido de seis a quatro. O time brasileiro tinha Romário, Bebeto, Dunga e Cafu. Será que jogaram mesmo na Chechênia? Não me lembro de ter lido algo.
Quando lhe perguntaram sobre o cachê dos craques brasileiros, Kadyrov disse que eles jogaram de graça, pelo prazer do encontro. Afinal, admitiu que gastou algum dinheiro, mas que foi destinado às vítimas das enchentes no Brasil.
O nome dos craques coincide, e sempre temos algumas enchentes no verão. Mas isso tem todo o jeito de lenda urbana.
Estou na Rússia e vou à Chechênia, quem sabe, descubro algo por lá. O grande problema da viagem foi dedicar tanto tempo à leitura e pouco ao difícil idioma russo.
É possível aprender algo tão complexo na minha idade? Os especialistas acham que sim. Ao examinar o que pensam, acabei descobrindo que a regra de ouro para aprender um idioma é se divertir com ele.
Nesse particular, o mestre nacional é Rubem Braga. Sua crônica sobre o aprendizado de inglês é um texto inesquecível de nossa literatura.
“Is this an elephant?” Braga hesita diante da pergunta da professora, temendo ser precipitado. Não era um elefante, e a aula prossegue com várias perguntas desse gênero.
A crônica termina com o escritor diante de uma loja apreciando cachimbos e desejando que passasse por ali o embaixador britânico, a quem ele, erguendo o cachimbo, diria com a mesma ênfase com que respondeu às perguntas da professora: “This is not an ashtray”. O embaixador sairia feliz por ver um cidadão estrangeiro falando inglês, concluía Braga.
Sem humor é difícil se aventurar em outra língua. E até achar uma saída nos descaminhos em que os dirigentes meteram o Brasil.
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