- O Globo
O incêndio do Museu Nacional prova que o Brasil é mesmo um país improvisado. Nada aqui, com algumas raras exceções que confirmam a regra, funciona de acordo com o combinado. Em qualquer esfera em que um ente público estiver envolvido, vai estar faltando alguma coisa. E em todas, não se encontrarão cuidado, capricho, carinho e, sobretudo, faltará manutenção.
Se o mais importante museu brasileiro foi transformado em cinzas pela incúria, pela má gestão e pela tão estúpida quanto rotineira falta de verba, imaginem como são tratadas as pequenas escolas públicas das periferias das cidades ou do interior do Brasil. Compare a importância do Museu Nacional com a de uma delegacia de polícia de Quissamã ou de Sapucaia.
Não importa para qual instituição pública você apontar, vai sempre encontrar uma gambiarra, um malfeito, um equívoco, um deslize, um erro. Ou muitos. O Brasil é a nação do jeitinho, do atalho fácil. Os exemplos de delegacias, escolas são óbvios, como também são repetitivos os casos de hospitais caindo aos pedaços e de estradas esburacadas. Estes matam, enquanto aqueles reduzem a qualidade de vida pela ignorância ou insegurança.
No ano passado (quem já não leu isso?), 6,2 mil pessoas morreram nas estradas brasileiras. Muitas vitimadas pela imperícia ou pela imprudência de motoristas, mas a maioria em razão das péssimas condições do asfalto de baixa qualidade e durabilidade que se esfarela por ter mais areia e brita do que betume e outros hidrocarbonetos sólidos na sua composição.
Nos hospitais do país, 829 pessoas morrem a cada dia por falta de atendimento, de equipamentos e de medicamentos. Corredores cheios de macas com pacientes, fiação exposta em salas de cirurgia, improvisações em balcões de atendimento, paredes descascadas, pisos, portas, tetos e paredes imundas. Lixo jogado no chão, dentro e fora dos hospitais. Essa é a cara da saúde brasileira.
As estradas, como os hospitais, as escolas, as delegacias e, agora se sabe, os museus brasileiros, sofrem desse mal comum. Também falta manutenção em outras repartições, como as delegacias do INSS, os institutos médico-legais, os quartéis da Polícia Militar. Tampouco passam por manutenção rotineira as centrais de abastecimento, as agências de organismos oficiais, os postos de saúde e vacinação, as universidades, as escolas técnicas, os institutos de educação.
O Brasil público é uma esculhambação. Manter o chão de uma escola ou de um hospital limpo, varrido, não exige apenas verba. Pede envolvimento do servidor, respeito e amor pelo seu trabalho. Claro que lixo deve ser jogado no lixo, mas quantas vezes você viu pedaços de papel, de plástico, restos de embalagem jogados no chão por onde passam dezenas, centenas de funcionários que não se abaixam para coletá-los?
A UFRJ gasta 87% do seu orçamento com pessoal, conforme revelou O GLOBO, e apenas 1% com manutenção de seus equipamentos, como o Museu Nacional. E o reitor Roberto Leher, que foi eleito para o cargo como filiado do PSOL, assumiu em 2015 anunciando que efetivaria os terceirizados de segurança, limpeza, portaria e, vejam só, de manutenção. Numa entrevista que deu à época, o reitor disse que “o modelo de terceirização é selvagem com os trabalhadores”.
Nos últimos 15 anos, a UFRJ aumentou em 97% o seu número de funcionários. Apesar de inchado de pessoal, o reitor e a turma que ele indicou pra cuidar do museu não conseguiram separar sequer uma dúzia de funcionários para cuidar das instalações elétricas do Palácio da Quinta da Boa Vista de modo a impedir que gambiarras pudessem acabar produzindo um curto-circuito e incendiar o prédio.
O diretor do museu, Alexandre Kellner, que hoje se queixa e exige recursos para recuperar o irrecuperável, ocupava uma sala magnífica, que fora quarto de Dom Pedro II. Quanta honra. Ali, tudo estava no lugar. Os móveis eram verdadeiras relíquias, não havia fios desencapados nem paredes descascadas. Do conforto da sala do trono, o diretor aparentemente nunca se preocupou com o fato de o museu não ter brigada de incêndio. E assim vamos.
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