- Folha de S. Paulo
Bolsonaro resolveu testar os limites da fidelidade de seu eleitorado
Especialistas em marketing político que acompanham a eleição presidencial à distância veem motivo, razão e circunstância para a mudança de tom que Jair Bolsonaro (PSL) empregou ao seu discurso nos últimos dias.
No Acre, o deputado federal falou em "fuzilar a petralhada"; no Distrito Federal, chutou um Pixuleco; ao comentar o incêndio no Museu Nacional, fugiu do figurino emocional que os outros candidatos vestiram: "Já pegou fogo. Quer que eu faça o quê?".
Bolsonaro resolveu testar os limites da fidelidade de seu eleitorado e parece ter concluído que o discurso radical, sem papas na língua, feito com o fígado, encontra ainda mais guarida entre os que, irritados com a política, enxergam nele alternativa a "tudo isso que está aí"
Publicitários que atuam na campanha eleitoral começam a desconfiar que o presidenciável do PSL cristalizou o voto de uma fatia significativa do eleitorado e decidiu falar apenas com esse grupo, para garantir seu ingresso no segundo turno.
É o que acha, por exemplo, a equipe que faz a campanha de Ciro Gomes(PDT). Os conselheiros do pedetista acreditam que, hoje, apenas uma vaga está em jogo na segunda etapa da disputa —e que a bola está no campo da centro-esquerda.
O único adversário que tem arsenal e interesse em fazer frente a Bolsonaro neste momento ainda tenta achar a embocadura de um ataque efetivo.
Geraldo Alckmin (PSDB), que diferentemente dos outros candidatos considerados competitivos, tem tempo de televisão suficiente para se apresentar e também atacar o capitão reformado do Exército, ainda não sabe se conseguiu dar um tiro que cause avarias significativas na armadura de Bolsonaro.
Nesses seis dias de horário eleitoral, o tucano tem investido num segmento que já é refratário ao candidato do PSL: as mulheres. Estreou a campanha na TV e no rádio com comerciais fortes. Um deles mostra o deputado xingando e empurrando uma adversária política.
O outro aponta o dedo à retórica armamentista de Bolsonaro ao filmar, em câmera lenta, uma bala prestes a acertar a cabeça de uma criança.
Quem trabalha com marketing eleitoral elogia a plasticidade e a edição dos dois comerciais. Mas os tempos são tão estranhos que, ainda assim, apontam fragilidades. Ao avaliar as peças, três publicitários disseram que o fato de a campanha tucana ter colocado uma criança negra no quadro final do filme sobre armas pode ter diminuído o impacto da peça entre bolsonaristas.
Outro porém: Maria do Rosário (PT-RS), a deputada que foi xingada de vagabunda por Bolsonaro, é uma das principais antagonistas que ele tem no cenário político. A cena, portanto, poderia não chocar a militância dele, que passou os últimos anos ouvindo-o despejar as mais diversas aleivosias à petista.
As peças da publicidade tucana, portanto, seriam eficazes para afastar de vez quem já não votaria em Bolsonaro, mas podem não surtir tanto efeito entre os que abraçaram a retórica dele.
Aliados de Alckmin vão esperar para ver o resultado nas pesquisas. Acham que com menos de dez dias de publicidade na TV não é possível medir a resiliência de Bolsonaro. Avisam que o arsenal apenas começou a circular e que há chumbo mais grosso a ser disparado.
Conhecido pelo comedimento, pelas declarações insossas, frias e calculadas, Alckmin também subiu o tom. Nesta quarta (5), declarou: "Não há ninguém tão despreparado quanto o Bolsonaro. Acho que o Brasil retrocederia, iríamos para um caos. Farei o possível para evitar que isso aconteça. Tenho responsabilidade para com meu país". É guerra.
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