Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro | Valor Econômico
BRASÍLIA - A crise política acentuou tratativas para instituir na Câmara dos Deputados um "parlamentarismo à brasileira". A tese é de que como o governo não tem coordenação, base aliada no Congresso nem uma agenda própria fora a reforma da Previdência, caberá ao Legislativo propor a pauta de votações que julgar importante para o país e formular políticas públicas até que o governo consiga votos suficientes para as mudanças nas aposentadorias.
Apesar do discurso de independência entre os Poderes, a praxe é o Executivo controlar a pauta do Congresso com projetos de lei e medidas provisórias (MPs), mas aliados do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), veem o presidente Jair Bolsonaro como incapaz de liderar esse processo. No parlamentarismo, a maioria no Legislativo indica o primeiro-ministro e monta o governo. Na versão "à brasileira", o Legislativo lideraria o debate sobre as políticas públicas.
As conversas ainda não envolvem a votação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para mudar o sistema político do país agora, segundo parlamentares e assessores ouvidos pelo Valor. Essa seria uma segunda etapa, já que há resistências no Congresso, no Judiciário e na sociedade, além de enfrentar a oposição do Executivo, que não quer perder poder. Por enquanto, seria um teste de o Congresso andar sozinho e propor as ações para melhorar o ambiente do país e vetar "exageros" do governo.
A conclusão das mudanças na lei geral do turismo (com a abertura das empresas aéreas nacionais ao capital estrangeiro) e a regulamentação do lobby devem ser os primeiros pontos do "teste", mas ainda não há pauta definida do que poderá ser votado. Deputados admitem que a ideia é complexa e exige um tempo para maturação.
Ex-líder do governo Michel Temer na Câmara, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) foi anunciado na semana passada líder da maioria na Casa e representará o bloco dos maiores partidos, como PP, PR, MDB, PRB, PSD e PTB. Interlocutores dizem que ele deve desempenhar essa função de costurar com as bancadas partidárias as pautas consensuais e servir como contraponto ao governo.
"Precisamos criar uma pauta, juntar as forças, não só as políticas, mas civis e militares também, para poder segurar o tranco do Brasil", disse o deputado Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade. O parlamentar afirmou na sexta-feira, antes da crise entre Bolsonaro e Maia se agravar, que o assunto ainda está restrito a rodas de conversas e é embrionário, mas que a "rápida desintegração do governo", que perde popularidade desde a eleição, aprofundou as conversas.
Além da reforma da Previdência (com uma PEC e dois projetos de lei), o governo só mandou para a Câmara três projetos do pacote anti-crime elaborado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, que ficarão parados por decisão de Maia até a votação das mudanças nas aposentadorias. Sete medidas provisórias (MPs) foram editadas, mas não há nem comissão formada para discuti-las.
Esta semana, o Executivo terá um desafio: barrar o projeto que sustará o decreto de Bolsonaro que dispensa os moradores dos Estados Unidos de visto para entrar no Brasil. O governo, apurou o Valor, tentará usar dois argumentos para evitar isso: o de que o Legislativo estará interferindo nos atos de outro Poder, apesar de reclamar desse tipo de prática, e o de que isso afastará turistas e investimentos no Brasil.
A relação, que já não era boa após a falta de negociação entre parlamentares e o governo - que os acusa de querer cargos para votar a favor dos projetos - e as críticas de deputados do PSL a partidos aliados se agravou com uma troca de farpas entre Maia e Bolsonaro e a divulgação da reforma "extremamente branda" na previdência dos militares.
Maia se sentiu atacado por perfis ligados a Bolsonaro nas redes sociais e abandonou a articulação da reforma dizendo que adotará "papel institucional" e que é o presidente quem precisa buscar os votos, mas que ele não tem convicção para isso. Bolsonaro rebateu que já apresentou o projeto, que é "pressionado pela velha política" a fazer o toma-lá-dá-cá e que agora é papel do Congresso aprová-lo.
Ontem, Bolsonaro não fez gestos para reatar a relação. Não telefonou para Maia e nem há previsão de reunião entre os dois. De volta ao Brasil após uma viagem para o Chile, ele recebeu ontem apenas o líder do governo na Câmara, deputado major Vítor Hugo (PSL-GO), que saiu dizendo que "o clima vai arrefecer", e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que elaborou o polêmico projeto dos militares.
Deputados dizem que ainda é cedo para saber se a crise entre os dois presidentes mandará a reforma para a geladeira e que esta semana será decisiva. Para o deputado Efraim Filho (DEM-PB), a discussão sairá do abstrato para o concreto com o início da tramitação da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). "O governo tem que focar passo a passo, não adianta debater os votos no plenário antes da CCJ", afirmou. A relação ficou tensa na última semana, mas ele defende que não tem como sustentar esse clima permanentemente. (Colaborou Cristiano Zaia)
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