A possibilidade de que um juiz determine a prisão de uma pessoa simplesmente porque esse é seu desejo agride frontalmente o Estado Democrático de Direito. Em tese, esse risco não deveria existir no País, tendo em vista as garantias e liberdades asseguradas pela Constituição. No entanto, tal perigo não apenas existe, como vem se tornando assustadoramente frequente nos últimos anos. Magistrados têm decretado prisão preventiva sem que os requisitos legais estejam preenchidos, numa evidente configuração de abuso de poder. A lei processual é ignorada. Os fatos pouco importam. O que prevalece é o arbítrio do juiz.
Na quinta-feira passada, houve mais um caso de abuso da prisão preventiva. O ex-presidente Michel Temer, o ex-ministro Moreira Franco e outros investigados por suposta formação de cartel e pagamento de propina a executivos da Eletronuclear foram presos por ordem do juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que não apontou nenhum elemento atual que justificasse a prisão preventiva. Ao longo de 46 páginas, fica evidente que o fundamento da medida é simplesmente a vontade do juiz de mandar prender.
De acordo com a lei, a destruição de provas por parte de uma pessoa investigada pode ser motivo para a decretação de sua prisão preventiva. No entanto, o Ministério Público não demonstrou a destruição de provas na investigação sobre a Eletronuclear. Ao decretar a prisão, o juiz Marcelo Bretas cita uma diligência, feita em maio de 2017, na qual “alguns escritórios da empresa passavam por limpeza diária, sendo os funcionários orientados a manter os ambientes vazios; além disso, o sistema de registro de imagens da empresa também não gravava a movimentação diária (ou eram apagadas)”.
A partir dessas informações, que sozinhas nada incriminam os principais envolvidos no episódio, o juiz da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro constrói o seguinte quadro: “Este fato parece indicar que os investigados estão agindo para ocultar ou destruir provas de condutas ilícitas, o que reforça a contemporaneidade dos fatos, bem como a necessidade da medida mais gravosa (a prisão)”. O que se vê é o oposto do que diz o magistrado. Não há nada a indicar a contemporaneidade dos fatos, já que, em relação à destruição de provas, o Ministério Público apresentou apenas uma diligência de 2017.
Não cabe mandar prender uma pessoa porque um fato “parece indicar” determinada conduta. Deve haver maior solidez probatória. Na decisão, o juiz Marcelo Bretas utiliza 18 vezes o verbo parecer – “parecem ter feito”, “parecem estar vinculados”, etc. –, deixando em evidência a frágil ligação entre os fatos investigados e as conclusões a que o Ministério Público deseja chegar, como a existência da tal organização criminosa de quatro décadas, chefiada por Michel Temer. Se de fato existiu essa organização, é dever do Ministério Público apresentar as provas – e não apenas ilações.
É preocupante que as instituições do sistema de Justiça, Ministério Público incluído, estejam trabalhando com tão pouco rigor técnico e tão sobrado arbítrio, numa confusão entre realidade e ficção. O próprio juiz reconhece que a “análise (...) sobre o comportamento de cada um dos requeridos é ainda superficial”. Como se pode decretar prisão – ainda mais sem prazo determinado – com base em análise superficial?
O caso baseia-se na delação de José Antunes Sobrinho, que narrou “pagamentos indevidos” em 2014 e que contariam com a anuência do ex-presidente Michel Temer. Trata-se de uma história que o Ministério Público tem o dever de apurar. Caso contrário, ele terá apenas uma delação, que, como se sabe, é insuficiente para condenar uma pessoa.
Na tentativa de suprir a ausência dos requisitos legais para a prisão preventiva, a decisão do juiz Bretas é pródiga em condenar a gravidade dos supostos crimes, num falatório que mais parece um comício. Não há dúvida de que a corrupção produz muitos danos ao País e deve ser combatida com diligência. Precisamente por isso, é necessário que a Justiça trabalhe seriamente e dentro da lei. Em vez de trazer paz e segurança, o arbítrio judicial é grave usurpação do poder estatal para fins alheios à ordem jurídica. Merece, assim, a mais cabal reprovação.
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