- Folha de S. Paulo
Há um risco real de a mesma situação vivida nos EUA acontecer no Brasil
Em artigo recente publicado na revista Época, o historiador Gabriel Trigueiro mostrou como a reação a Trump fez renascer um forte movimento socialista —no sentido europeu, social-democrata— nos Estados Unidos.
Lideranças como o senador Bernie Sanders e a deputada recém-eleita Alexandria Ocasio-Cortez já desafiam a direção do Partido Democrata, ainda formada por herdeiros da esquerda “neoliberal” dos anos Clinton.
A esquerda neoliberal é a centro-esquerda que defende a utilização dos mecanismos de mercado para atingir objetivos social-democratas, quando for possível utilizá-los. É a turma que foi hegemônica no Partido Democrata americano durante a era Clinton e no trabalhismo britânico durante a era Blair.
Pois agora um dos expoentes da esquerda clintonista parece disposto a abrir negociações e ceder espaço à nova guarda.
Em entrevista ao site americano Vox, o excelente economista Brad De Long propôs que economistas da esquerda “neoliberal” dialoguem e se deixem liderar por seus companheiros à esquerda, ao menos nesta fase atual.
De Long defende que os neoliberais conversem com os socialistas, corrijam seus erros e excessos, mas também admitam que, no momento, não é possível reconstruir a aliança centrista dos anos 1990, por um motivo muito simples: não há mais centro-direita nos Estados Unidos.
De Long lembra que “Barack Obama assumiu a Presidência com o plano de saúde de Mitt Romney, o plano de combate à mudança climática de John McCain, e a política externa de George H.W. Bush”. Romney, McCain e Bush pai sempre foram vistos como republicanos moderados.
Entretanto, pergunta o economista: algum desses moderados disse uma única palavra de apoio a qualquer coisa que Obama tenha feito em oito anos? “No”, conclui, “they fucking did not”.
Há um risco real de a mesma coisa acontecer no Brasil.
Leitores da coluna sabem que sempre defendi propostas centristas para a esquerda brasileira. Mas, no momento, é bem difícil encontrar com quem discutir do outro lado.
Seria bem mais fácil discutir a reforma do Guedes ou o pacote do Moro se o chefe deles não liderasse um movimento que defende abertamente a perseguição à esquerda.
Por outro lado, minha sugestão para a esquerda brasileira é a mesma que eu daria a Bernie Sanders, se eu fosse americano: vá conversar com o De Long.
O problema da esquerda brasileira não é uma liderança excessivamente comprometida com o consenso dos anos 1990, muito pelo contrário.
A hegemonia da esquerda neoliberal coincidiu com o que, no Brasil, foi o período Malocci, periodização criada por Samuel Pessôa para abarcar os governos FHC (Malan) e o primeiro mandato de Lula (Palocci).
No primeiro governo Dilma, a esquerda rompeu com o Malocci da maneira mais desastrada possível. Quando Dilma tentou consertar o estrago no segundo mandato, o PT não a apoiou.
Nos Estados Unidos, é a turma moderada dos anos 1990 que perdeu a última eleição, e agora está puxando o diálogo com a esquerda em ascensão. Aqui é a esquerda socialista que perdeu a última eleição, e agora deveria reatar essa conversa.
Mas a negociação é a mesma. Nos dois países, o centro morreu, é preciso reconstruí-lo, e a direita não parece interessada em fazê-lo.
*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Nenhum comentário:
Postar um comentário