- O Globo
A ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia ganhou diversos prêmios de instituições e entidades públicas e privadas, inclusive o prêmio Faz Diferença, do GLOBO, ao proferir em novo contexto a famosa frase “cala abo cajá morreu ”. Retirada de velha e conhecida musiquinha infantil popular, a sentença foi imortalizada pela minis trana ação que julgava a inconstitucionalidade de autorização prévia para biografias, em junho de 2015. Cármen Lúcia foi a relatora que arrebatou a todos com o seu voto. O Supremo acompanhou a ministra por unanimidade.
Foi um momento de glória na história do STF. Atém esmoo ministro Dias T off o li votou contra a autorização prévia. “A corte está afastando a ideia de censura, que, no estado democrático de direito, é inaceitável”, disse com propriedade o ministro. O mesmo minis troque em 14 de março abriu um inquérito sigiloso para apurara taques contra a Corte. E que agora é o pivô de uma enorme crise institucional justamente porque o presidente do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, resolveu censurara revista “Crusoé”, que descobriu rastros de Toffoli nas planilhas da Odebrecht.
Contra Dias Toffoli, identificado como “o amigo do amigo do meu pai” por Marcelo Odebrecht em depoimento ao Ministério Público, não há qualquer acusação, apenas a informação de que ele deveria ser procurado para resolver um problema na obra de uma hidrelétrica no Rio Madeira. Nenhuma ofensa ao ministro, nenhum ataque ao STF, nada que justificasse sequer a atenção do presidente do inquérito. Mas Alexandre de Moraes, instrumentalizado por Toffoli, não só censurou a publicação como chamou seu editor para depor.
Além de inconstitucional e arbitrária, a decisão foi burra. A história fora publicada na sexta-feira da semana passada, estava esquecida, não tivera repercussão, permanecia debaixo de uma pilha de outras reportagens feitas pela “Crusoé” depois dela. Ao censurar com uma truculência que lembra os melhores momentos da ditadura, Alexandre de Moraes desenterrou a história e transformou um assunto morto numa bomba atômica.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, mandou o STF suspender o inquérito sigiloso, Alexandre de Moraes rechaçou o pedido e Dias Toffoli deu mais 90 dias de prazo para as investigações. Do alto da tribuna e protegidos por suas togas, os ministros Toffoli e Moraes perderam a chance de recuar. Dodge poder e correra o plenário do Supremo, escancarando o problema que divide a casa, apesar de deixar perplexo todos os entes políticos do país.
Se a procuradora não apelar ao plenário do STF, os jornalistas censurados podem fazê-lo. Mais cedo ou mais tarde, o caso será debatido ao vivo pela TV Justiça e deixará mal a Corte, qualquer que seja seu resultado. Tudo isso por nada. Na medida em que a PGR não reconhece o mérito do inquérito, muito provavelmente não denunciará os investigados apontados por Moraes. O caso, que na verdade é um não evento, serviu para lambuzar ainda mais a imagem do STF.
Serviu também para que a oportunidade fosse aproveitada pelo largo espectro político nacional. De repente, todo mundo virou defensor da liberdade de imprensa. O presidente Jair Bolsonaro foi ao twitter dizer que sua posição “sempre será favorável à liberdade de expressão, direito legítimo e inviolável”. Logo Bolsonaro, que outro dia mesmo atacou uma repórter do jornal “O Estado de S. Paulo” e seu pai, jornalista do GLOBO. Levantamento feito pelo Estadão mostra que, até março, o presidente fez 29 ataques à imprensa, um a cada três dias.
O PT também saiu em defesa da imprensa. Sua presidente, deputada Gleisi Hoffmann, disse que o partido jamais censurou veículos. Mas não disse que o governo do PT queria controlar a imprensa através de um projeto que eufemisticamente chamou de “democratização dos meios de comunicação”, mas que acabou não conseguindo aprovar por absoluta falta de amparo legal e apoio político. O fato é que o PT agora virou defensor da liberdade de imprensa, e Bolsonaro passou a jurar amor a jornais e jornalistas. A maluquice de Toffoli e Moraes acabou produzindo milagres.
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