- Folha de S. Paulo
Postagens de investigados pelo STF são pregações contra o Estado de Direito
Irrestrita? E essa ausência de limitação é que caracteriza a democracia plena? Ou tem limites? Quais? E qualquer deles é suficiente para comprometer as liberdades democráticas, logo, negar o Estado de Direito?
O tema da liberdade de expressão tem antiguidade grega e nem por isso se aproximou, alguma vez, do consenso. É agora a questão essencial na divergência aguda suscitada pela investigação, toda por conta do Supremo Tribunal Federal, das postagens de internet que o atacam e aos seus ministros.
Esse centro da questão, porém, está invadido em parte por outro tema, que mais complica a confrontação problemática, apesar de pouco polêmico.
Muitos apoiam a condenação às investigações pelo Supremo por entenderem que os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, um a determiná-las e o outro a conduzi-las, assumem poderes alheios à sua função de julgadores, apenas. É, portanto, um problema formal, embora traga, implícito, a indagação crítica sobre a sua constitucionalidade ou não.
Na questão central, os dois ministros, e por extensão o Supremo, não têm situação melhor na maioria dos comentários tornados públicos. O tema é propício ao passionalismo. Com isso, a argumentação em geral está ausente, substituída por afirmações de ares definitivos e absolutos. O que condenam, no aspecto essencial, é a investigação de "críticas", de "insultos" e de "fake news", que seriam exercícios da liberdade de expressão. Muitos são artigos interessantes e estimulantes. Mas influenciados por uma disformidade nada incomum entre nós, jornalistas e políticos.
As postagens cujos autores são investigados não são de crítica: não se ocupam de expressar discordância com os fundamentos de decisão alguma do Supremo. Também não são de insultos. E muito menos são apenas de notícias falsas. Além de agressões morais, são, nos seus reflexos, pregações contra o Estado de Direito, a pretexto de ataque ao Supremo Tribunal Federal. Não surpreende que seus autores já identificados sejam todos seguidores de Jair Bolsonaro, sem faltar um general para dar a cor da tradição.
Escreve, por exemplo, o policial Osmar Fagundes sobre os ministros do tribunal: "Todos alinhados com os narcotraficantes e corruptos do país. Vai ser a fórceps". Por uma desatinada Isabella Trevisani, o "ministro Alexandre, ministros do STF", ficam sabendo que "a vez de vocês está chegando". Um outro se refere à "máfia do STF", que inclui todos os ministros, "cobra propina de corruptos" e "mata pessoas".
Liberdade de expressão, mas o que expressam mensagens de que essas são um exemplo ligeiro? Expressar é exprimir um raciocínio, uma sensação, um sentimento, algo de si ou de uma situação. Tão claro isso que nem são necessárias palavras: as mãos crispadas exprimiam tensão, os olhos expressavam o medo. Falar e dizer são diferentes; dizer, apenas, é diferente de expressar e exprimir.
Há pouco, foi necessário um nível maior de proteção ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, e a seus familiares, também ameaçados. As ameaças foram usos da liberdade de expressão? Expressaram as liberdades democráticas ou, se repelidas, assim negam o Estado de Direito?
Liberdade de expressão e democracia são inseparáveis, sim. E mutuamente explicativas. Mas não se sabe ainda o que são, verdadeiramente.
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