- O Estado de S.Paulo
Se o governo está propenso a recorrer a casuísmos para consertar a intervenção de Bolsonaro nos preços do óleo diesel, outros casuísmos desastrados podem acontecer
Seis dias após a desastrada intervenção do presidente Jair Bolsonaro nos preços do óleo diesel, o governo se mobilizou para recompor o vaso quebrado. Mas algumas questões de fundo permanecem intocadas.
Ficou firmado o princípio de que cabe apenas à Petrobrás a definição dos preços dos derivados destinados ao mercado interno. E, para evitar a chantagem dos caminhoneiros, o governo montou um pacotinho de bondades a eles destinados: uma linha de crédito de R$ 500 milhões com o BNDES para financiamento da compra de pneus e de peças de reposição, certa desburocratização dos trâmites que autorizam o transporte de cargas e a criação de novas regras para formação dos fretes. Outro acerto que poderia, a médio prazo, atender às reclamações da categoria é canalizar ao Ministério da Infraestrutura mais R$ 2 bilhões para pavimentação e reparo das rodovias mais rodadas no transporte de cargas.
O governo reconheceu que não pode decretar preços irrealistas, mesmo em se tratando de produtos de primeira necessidade. Pareceu ter entendido que uma política econômica que pretende ser liberal não pode descambar para intervencionismos, sob pena de criar devastadora fonte de incertezas.
Mas o conserto não foi providenciado apenas para garantir coerência de princípios e a permanência do “Posto Ipiranga” no comando da economia. O tabelamento dos preços dos combustíveis produziria distorções: corrosão do caixa da Petrobrás; fuga de potenciais interessados na compra de ativos da petroleira; estímulos artificiais a aproveitadores que comprariam combustíveis a preços mais baixos no mercado interno para exportá-los por preços de mercado; e retardamento da correção dos desequilíbrios de mercado, na medida em que impediria a retirada dos transportadores ineficientes.
Da Petrobrás ainda foi reclamada maior transparência na definição de preços. Esta não é exigência adequada, por duas razões. Primeira, porque num mercado de preços livres, de nenhuma empresa se pede satisfação pelos preços praticados. Segunda, porque qualquer critério sujeito a algoritmos ou fórmulas matemáticas pode ser objeto de questionamentos, se não por outra razão, porque atropela a lei maior: a da oferta e da procura.
Os caminhoneiros têm agora motivos extras para reclamar do cala-boca proporcionado pelo governo. Nesse campo, os erros se acumulam. Se é para atender com políticas públicas aos interesses da corporação, essas compensações serão sempre insatisfatórias. A realidade é mutante. Os custos podem aumentar ou cair, como acontece com as cotações internacionais do dólar e do petróleo.
A causa maior do descontentamento é a de que há caminhões demais para cargas de menos a transportar, desequilíbrio que não tem correção fácil. Não é só a alta do diesel que atormenta os caminhoneiros, de bolso cada vez mais ralo. É a economia que empacou e é o desemprego que hoje atinge 13 milhões de trabalhadores no País.
O compromisso do governo de atualizar a tabela de fretes é outro despropósito. É nova interferência nos preços, sempre questionável. E, não menos importante, a economia ficou refém do escoamento rodoviário de mercadorias porque, para beneficiar as montadoras, outras modalidades de transporte (como ferrovias, hidrovias e dutos) foram relegadas ao quase abandono nos últimos 50 anos.
O ministro Paulo Guedes tem razão quando afirma que não existiria o problema se a Petrobrás tivesse concorrência. Esta é a principal razão pela qual é preciso construir novas refinarias a serem conduzidas por outras empresas. Mas não haverá interessados para elas se os preços dos combustíveis voltarem a ser tabelados por canetadas presidenciais.
No mais, trincas na confiança não podem ser consertadas com cola-tudo. Se, na falta de convicção e de estratégia, o governo está propenso a recorrer a casuísmos, outros casuísmos desastrados podem acontecer.
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