Ministro contesta pesquisa da Fiocruz porque não o ajuda na política de internação compulsória
Uma das características preocupantes da postura do governo Bolsonaro diante de assuntos fora do campo econômico é a dificuldade de aceitar dados concretos de pesquisas e levantamentos. Se contrariarem a visão preconcebida da autoridade da área, eles são rejeitados, numa atitude anticiência que remonta à Antiguidade, quando crenças religiosas censuravam novas teorias astronômicas, por exemplo.
Hoje, no Brasil, o papel que era da religião é exercido pela ideologia. Constitui forte exemplo a destruição da Amazônia, há tempos acompanhada hectare a hectare por satélites. Em janeiro, constatou-se que o desflorestamento na região crescera 54% em relação ao mesmo período do ano passado. Mas, como a área do governo voltada ao assunto tem uma desconfiança de fundo ideológico do preservacionismo — compartilhada pelo próprio presidente, no mesmo figurino do nacional-populismo de Trump nos Estados Unidos —, este avanço das motosserras não recebe a merecida atenção.
Esta abordagem enviesada e estreita de questões complexas chegou ao combate às drogas, por meio do ministro da Cidadania, o médico Osmar Terra, conhecido militante do enfrentamento retrógrado do tema, desde quando era deputado federal pelo MDB do Rio Grande do Sul. Repete-se a distorção de a ideologia interferir na capacidade de entendimento do mundo real.
Coerente, Terra começou a mudar a política de tratamento de usuários, adotando o modelo da internação compulsória, para forçar a abstinência.
A outra alternativa terapêutica, defendida por especialistas, é ada redução de danos, em que opa ciente é induzido aparar como consumo, devidamente apoiado por médicos, psiquiatras e psicólogos.
Repete-se a história do desmatamento. O Ministério da Justiça, antes do governo Bolsonaro, contratou, coma Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o III Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira. De um contingente de 3,5 milhões que admitiram fazer uso de drogas ilícitas, contabilizaram-se 208 mil dependentes de crack, número que frustrou Osmar Terra, convencido da existência de uma “epidemia da droga”.
O trabalho deveria ser tema de discussões técnicas. Por exemplo, a pasta da Justiça alega que os dados não são comparáveis com pesquisas anteriores. Esta é uma questão para especialistas. Em vez disso, o ministro tenta desacreditara Fio cruz, instituição de reconhecimento mundial. Pelo menos até ontem, havia uma censura sobre o trabalho: a instituição não podia divulgá-lo. Terra contrapõe à pesquisa, conduzida por técnicos conhecidos, o que observou ao passear por ruas de Copacabana. Ora, ora.
Mais uma vez, informações objetivas são desprezadas porque não confirmam a crença da autoridade de turno. No mínimo, perde-se uma oportunidade de se alimentar, com números atualizados, o debate sobre apolítica de drogas.
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