Estímulos de curto prazo podem arruinar o futuro, como ocorreu do fim do governo Lula à derrocada do governo de Dilma Rousseff. O governo de Jair Bolsonaro, cobrado para retirar a economia de seu trágico marasmo, resolveu, como seu antecessor, Michel Temer, liberar parte do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e Pis-Pasep, até que os efeitos das reformas estruturais, a começar pela da previdência, tenham o impacto esperado no crescimento.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, fez questão de dizer que o esquema de liberação desenhado agora difere dos anteriores e que não haverá "voo da galinha", uma afirmação temerária, já que nem todas as reformas foram apresentadas e mesmo a da previdência passou só pela primeira fase. Mesmo um "voo da galinha" seria um avanço notável diante do panorama econômico desolador. Com 13 milhões de desempregados e enorme capacidade ociosa no parque produtivo, qualquer avanço que minore o sofrimento de quem não encontra trabalho e reduza o desperdício de capital não utilizado seria um progresso. Apesar do desdém de alguns membros da equipe econômica sobre a eficácia de estímulos à demanda, a liberação do FGTS traz alívio importante, ainda que limitado.
O FGTS foi criado em 1966, sob a batuta dos ministros Octávio Gouvêa de Bulhões e Roberto Campos, dois insuspeitos liberais que criaram um longevo sistema de poupança compulsória, contradição filosófica vencida pelo pragmatismo. Um dos objetivos, além de eliminar a estabilidade de emprego vigente, foi criar um fundo de recursos para financiar a habitação, finalidade que, mal ou bem, persiste até agora. Hoje o FGTS é a única fonte de funding subsidiado para construtoras e moradias destinadas a empregados de baixa renda.
O sistema parece condenado à extinção ou a uma reconstrução profunda. Ao anunciar que os trabalhadores poderão fazer saques anuais, o governo divulgou números que indicaram que essa possibilidade não é para a maioria - 81% das contas têm saldo de até R$ 500, montante incapaz de dar qualquer proteção diante do desemprego, motivo pelo qual foi instituído. À razão óbvia dos baixos salários pagos somou-se a perda permanente causada pelos índices de correção dos saldos, de 3% anuais mais alguma coisa expressa na TR que, mesmo em um período de inflação baixa, correspondeu a perto da metade do investimento de menor rendimento no país, a caderneta de poupança.
Paulo Guedes ficou no meio do caminho entre pôr um fim ao FGTS, posição defendida por muitos economistas, não necessariamente liberais, ou permitir um resgate de emergência, pontual. Pode ter desagradado gregos e troianos com a decisão, mas seu impacto econômico, que é o que importa, não será desprezível. Após os R$ 500 a que todos os que tem dinheiro no fundo poderão sacar até abril, há opção de embolsar os recursos em parcelas anuais - sem direito a receber o total remanescente quando for demitido sem justa causa - ou de não fazê-lo e seguir o esquema usual.
O estímulo de R$ 42 bilhões até o fim de 2020 não é desprezível, ainda mais se comparado à alternativa de nada fazer e esperar até que as reformas, cuja aprovação é incerta, possam destravar os caminhos do crescimento. As estimativas oficiais indicam a liberação de cerca de R$ 30 bilhões este ano. A grosso modo, são 15% da folha de salários mensal do setor formal, ou, se considerados os R$ 500 iniciais permitidos já, um quarto do salário médio mensal dos trabalhadores da iniciativa privada. Terá um efeito possivelmente menor do que o ocorrido no governo Temer, mas, como ressaltou Guedes, com maior fôlego temporal que o dele.
Considerando-se o perfil liberal de Guedes e seus economistas, o FGTS deixará de existir, de forma gradual. A liberação de recursos permite que essa discussão seja adiada até que a economia atinja um ritmo menos medíocre e as finanças públicas saiam do estado lamentável em que se encontram - combinação de carga tributária no topo e os maiores déficits da história recente. Mas a questão da poupança compulsória é muito complexa em um país com uma das piores distribuição de renda do mundo. Com mais da metade dos assalariados recebendo até dois salários mínimos, incapazes de poupar, todo recurso extra será utilizado para suprir um orçamento doméstico que não fecha. A situação ainda é pior quando a rede de proteção social (seguro desemprego, assistencia a saúde e à educação, por exemplo) não se amplia, mas encolhe.
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