- Valor Econômico
Governador quer que Bolsonaro mude chapa na reeleição
Cuidado, Hamilton Mourão, há perigo na esquina. A se concretizar a estratégia traçada pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), o presidente Jair Bolsonaro terminará convencido a reformular a chapa presidencial quando concorrer à reeleição, em 2022.
O governador goiano administra uma massa falida em forma de governo estadual, mas deste posto é um dos mais articulados defensores do governo federal dentro do universo da política tradicional.
Em palestra na noite de quarta-feira na Casa do Saber, um “think tank” em São Paulo, Caiado assim respondeu a uma pergunta do mediador sobre a possibilidade de Bolsonaro perder a eleição de 2022 para o PT: “Costumo chamar urna de vossa excelência. Respeito urna. Errar todo mundo erra e quatro anos no governo não é nada. Na última avaliação de popularidade do presidente que vi, ele estava com 34% de bom e ótimo. É relativamente confortável, favorece a convergência na classe política. Se tivermos bom senso e humildade de criar uma chapa complementar, vejo chance de fechar no primeiro turno”.
No fim do encontro, em conversa particular, Caiado detalhou aonde queria chegar. Seu propósito maior é retirar o DEM das articulações para a construção da autoproclamada candidatura de centro para abraçar o bolsonarismo. Pretende convencer o presidente a fazer o casamento com a política tradicional e conquistar a hegemonia por meio de um movimento fora da sua base de fiéis ardorosos. Deste modo, Bolsonaro converteria automaticamente maioria eleitoral em maioria política.
O governador foi candidato a presidente em 1989 e provavelmente não descartaria um convite para compor esta chapa, mas a articulação não visa a isso. Caiado enxerga como possíveis nomes os atuais ministros do DEM, ou quadros novos que venham a se filiar. Fala com mais entusiasmo do ministro da Saúde, o discreto Luiz Henrique Mandetta.
Não é por acaso que o governador espera o presidente na cidade de Posse, no dia 20, para a visita a uma das 17 policlínicas modelo que fez construir. Caiado acha que Bolsonaro precisa avançar na área social, para prevalecer sobre o PT entre os mais pobres. É a única ressalva que, relutante, aceita fazer sobre o governo Bolsonaro. “Eles não podem ser vanguardistas no processo de enfrentamento da pobreza. Esta bandeira precisa ser nossa, não deles”, diz.
Ao longo de toda sua exposição, Caiado bateu nas duas teclas: a política tradicional não pode ser demonizada e o Estado não pode abdicar de um papel preponderante no combate à desigualdade social. “Sempre fui um pacificador”, chegou a dizer, em uma declaração que pode causar espanto aos acionistas da Enel, para falar apenas no mais recente alvo de um político que sempre foi áspero com seus adversários ao longo de 34 anos de vida pública.
O compromisso com a institucionalidade, ressalte-se, é real. “Eu tenho orgulho de ser político. É um jogo difícil, mas nós precisamos ser competentes para aprovar nossos projetos e não ficar se lamuriando.
A melhor escola que existe é o Congresso Nacional”, disse, a onze dias das manifestações incentivadas pelo presidente da República. Caiado acha que a moderação terminará sendo uma demanda do eleitor. “O cidadão é pragmático. É hora de buscar uma convergência entre o Executivo e o Congresso”.
Perguntando sobre o que virá no dia 15, o governador disse que é um dado da realidade, a exigir compreensão da classe política. “O povo estará nas ruas o tempo todo, a política mudou com a internet, vai ser assim agora. Ninguém faz isto sozinho, não tem um líder que convoca milhões a ir para as ruas, não existe isso”, comentou. “Desde que o movimento seja pacífico, não há nenhum mal”.
Os planos de Caiado fazem sentido. Mas faz falta uma combinação não só com os russos (seu próprio partido), como com Bolsonaro e com os próprios brasileiros (o eleitorado).
Os movimentos recentes do DEM indicam um partido mais envolvido em outros planos para 2022, como uma articulação que impulsione João Doria ou Luciano Huck. O fato de existirem três ministros filiados ao DEM é relevante, mas não é garantia de selo bolsonarista à sigla.
O presidente é outro problema. Em 14 meses de governo, ele parece buscar com ânsia um caminho anti-institucional. Ataca a mídia, o Judiciário, o Congresso Nacional, politiza as Forças Armadas, trazendo militares para dentro do governo e do debate com o Congresso, e agita as ruas. Em um certo sentido, Bolsonaro se assemelha à imagem que os conspiradores de 1964 procuraram carimbar em João Goulart.
Os militares e civis envolvidos no 31 de março tentaram criar a mística de que aquele foi um contragolpe preventivo, dado em reação a um presidente que conspirava contra a democracia. A história comprovou que o Goulart golpista era uma balela. Em relação a Bolsonaro o tempo dirá. Se adotar o caminho apregoado por Caiado, está posto que os temores sobre seu compromisso com a democracia são infundados.
Quanto aos brasileiros, trata-se de um eleitorado muito sensível a avaliar um governo conforme os resultados que apresenta na economia, sobretudo no binômio do combate ao desemprego e à inflação. O PIB está baixo, o dólar se aproxima de R$ 5, o desemprego não cede, ou cede muito pouco. Se estas variáveis não reagirem, o cenário para 2022 fica mais complexo. Caiado fala em vitória no primeiro turno, algo que só aconteceu em eleições presidenciais no Brasil duas vezes: em 1998, com Fernando Henrique, e no distante 1945, com Dutra. Para a mágica se repetir, nos dias e nas circunstâncias de hoje, Bolsonaro não pode ser o gerente de uma crise, mas o pai de um PAC qualquer.
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