Lara Resende critica viés fiscalista, fruto de liberalismo anacrônico
Por Hugo Passarelli | Valor Econômico
SÃO PAULO - A atual política econômica do governo brasileiro está asfixiando e destruindo o Estado, o que elimina a chance de se criar uma economia de mercado e saudável, segundo o economista André Lara Resende. Um dos formuladores do Plano Real, ele considera que esse viés fiscalista é fruto de mitos e de um liberalismo anacrônico de Chicago dos anos 1960. Lara Resende fez essas declarações ontem em São Paulo, no lançamento do livro “Consenso e contrassenso, por uma economia não dogmática”.
“Depois dos absurdos que foram feitos nos governos do PT, o Brasil sofre de um estresse pós-traumático e não pode ouvir falar em gasto público” disse o ex-presidente do BNDES, ao apresentar as linhas gerais de sua obra.
Esse entendimento leva à condução de políticas públicas equivocadas, afirmou Lara Resende. Segundo ele, a defesa desse viés não significa que se pode gastar sem responsabilidade ou em projetos com objetivos bem delimitados. Mas a maneira como o ajuste fiscal está sendo conduzido é um “sacrifício autoimposto” que vai acabar levando a um resultado oposto, que é desorganizar e conduzir o Estado para uma falência, disse ele.
“Os defensores do atual governo diziam muito que o Brasil estava caminhando para virar a Venezuela. Mas o perigo hoje é muito maior do que era, você pode caminhar para a Venezuela para a esquerda ou para a direita” O exemplo do país vizinho mostra que a recessão é o que leva, sim, à inflação, segundo ele.
Nesse contexto, o economista aponta uma visão anacrônica hoje sobre as reformas necessárias para acelerar o crescimento e melhorar o bem-estar da sociedade. “É preciso repensar e organizar o Estado para torná-lo competente. Com as novas possibilidades que a tecnologia nos dá, vamos pensar o que se pode fazer hoje em vez de pensar nas reformas que deveríamos ter feito na segunda metade do século passado.”
Desde 2017, o economista publica artigos no Valor, em boa parte compilados no livro, em que defende o fim de diversos dogmas da teoria macroeconômica. O principal deles é a defesa de que os países que emitem a própria moeda não têm restrição financeira para financiar os gastos públicos “A ideia de que só se pode gastar se houver fonte existente de recursos financeiros é um erro gravíssimo.”
O economista destaca que, após a crise de 2008, houve uma perda de credibilidade desse dogma, expresso pela onda de estímulos monetários mundo afora. “O QE [afrouxamento monetário, a compra maciça de ativos pelos bancos centrais como o americano] salvou o sistema financeiro e a economia mundial de uma profunda depressão. Mas a teoria quantitativa da moeda, apesar de aposentada silenciosamente, continuava viva no imaginário, isto é, a ideia de que a emissão da moeda vai criar inflação.”
Após esse momento, no entanto, criou-se outro limite autoimposto, representado pelos alertas de que não se pode elevar a relação entre dívida pública e o PIB para além do nível de 70% - outra dogma errôneo, diz Lara Resende. O economista lembra que há países como o Japão em que tal métrica já ultrapassou os 200%. “Mesmo o Brasil opera hoje perto desse nível sem grandes problemas.”
O economista disse que o corte de gastos geral e irrestrito ataca os problemas errados da organização estatal no país. “Se o Estado é corrupto ou ineficiente, a solução não é asfixiá-lo; esse é o caminho mais rápido para a desordem da economia e do Estado”, avalia o economista, destacando que, no ritmo atual, o governo está eliminando as poucas áreas do setor público que ainda funcionam ou possuem excelência.
Lara Resende defende o teto de gastos, criado no governo Michel Temer, mas com uma modificação: os investimentos ficariam fora do mecanismo, que limita o crescimento das despesas não financeiras da União. “O Estado deve consumir o mínimo de recursos possível na sua própria operação. Hoje, o Estado no Brasil é inimigo do cidadão.”
Com a restrição imposta por esse mecanismo, ele sugere que os investimentos deveriam ser viabilizados por gastos extraorçamentários, organizados em programas plurianuais. “O ideal é que eles sejam aprovados e ranqueados por alguma forma de agência técnica, que considero mais importante para a democracia do que um Banco Central independente.”
Questionado sobre a chance de essas ideias vingarem no Brasil, Lara Resende mostrou descrença. “Só quando o pensamento mudar lá fora.” Ele ainda criticou o debate brasileiro nas últimas décadas. “É impressionante que os economistas não são intelectuais, são ideólogos fingindo que são cientistas”
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