- O Estado de S.Paulo
É normal crescer 1%? Não. Não é normal, mas não é surpresa e faz todo o sentido
O ministro Paulo Guedes manifestou “surpresa com a surpresa” diante do pibinho de 1,1% de 2019, que conseguiu a proeza de ser menor que o 1,3% de 2017 e 2018, apesar de pesos e condições políticas bem diferentes: o presidente Michel Temer assumiu após um impeachment, Jair Bolsonaro chegou com a força do voto.
Na verdade, porém, não houve “surpresa” com o pibinho, mas, sim, desânimo, decepção e preocupação com o futuro. Se no primeiro ano de um governo cheio de gás foi assim, como será o segundo? Em 2019, houve Brumadinho, os embates EUA-China, se quiserem dá para incluir a crise suína na China. Em 2020, há coronavírus, Bolsas derretendo, dólar disparando e previsão de desaquecimento global, que já antecedia tudo isso. E não é só. Há muito mais para atrapalhar.
Na barafunda, uma constatação incomoda: a agenda do governo parece ter se esgotado em 2019, com a reforma da Previdência e o programa de privatizações e concessões deixado praticamente de bandeja por Temer. Logo, não dá para pular de otimismo para este ano. Nem para os próximos.
Como o que está ruim sempre pode piorar, há um mesmo fator político em 2019 e 2020 segurando investimentos, confiança e a própria recuperação do Brasil: o presidente Jair Bolsonaro, que insiste em viver em guerra e ultrapassa limites mínimos de civilidade e de respeito ao cargo.
Como investir num país onde o presidente, para fugir de falar do PIB, traz em carro oficial um comediante para jogar bananas em repórteres? Eles estão ali para ouvi-lo (ao presidente, não ao comediante) e informar a população. E, não satisfeito com cenas grotescas, o presidente também age colocando em risco o aquecimento da economia, logo, a retomada dos tão desesperadamente necessários empregos.
Além da “surpresa com a surpresa”, Guedes declarou que a economia está “claramente acelerando” e acenou com crescimento de 2% neste ano... “se as reformas forem aprovadas”. É aí que mora o perigo, porque não adianta botar a culpa nos deputados e senadores, no coronavírus, em Marte ou na “herança maldita”, como fazia Lula em relação a Fernando Henrique. A responsabilidade maior pelas reformas é do Executivo e não dá para fugir disso. Ele tem de apresentar suas propostas e tem de negociá-las com o Congresso, como em toda democracia.
Há dois consensos, dentro e fora do governo. Um é que a reforma da Previdência foi um ótimo passo, mas só um primeiro passo. Outro é que o Congresso tem uma disposição muito positiva para aprovar as reformas seguintes, mas há uma questão de timing: o ano é eleitoral e, portanto, deputados e senadores têm interesses diretos nas campanhas, aliás, legitimamente.
Se Guedes condiciona crescimento a reformas e o Congresso está disposto a aprová-las, o que está atravancando o processo? A área econômica, o Planalto, ou o próprio presidente? A reforma tributária do governo, ninguém sabe, ninguém viu. A reforma administrativa foi fechada pela equipe de Guedes há meses e o Planalto diz que Bolsonaro já assinou, mas é um fantasma. Foi adiada uma, duas, três, sei lá quantas vezes, atravessou o carnaval, a Quarta-Feira de Cinzas, a semana seguinte e... ainda não se materializou!
Para piorar, as reformas só saem com acordo entre Executivo e Legislativo (ou “entendimento”, para não contrariar o presidente e os bolsonaristas), mas Bolsonaro, os filhos e seu entorno não param de atacar os “chantagistas” do Congresso e torcem pelos protestos que terão Rodrigo Maia na mira das pedradas.
Para o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, “não é normal um país como o Brasil crescer 1% ao ano”. De fato. Nada é surpresa, nada é normal, mas tudo faz sentido.
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