• Sob o signo de Tânatos – Editorial | O Estado de S. Paulo
Presidente Jair Bolsonaro se inviabiliza no cargo ao se dedicar à destruição de inimigos, de aliados e, por fim, de si mesmo
O governo de Jair Bolsonaro é conduzido sob o signo de Tânatos, o deus da morte na mitologia grega. Dedica-se desde sempre à destruição – primeiro, dos inimigos, reais e imaginários; depois, dos próprios aliados, inclusive ministros que lhe devotavam lealdade; e, afinal, a si mesmo, inviabilizando-se como presidente. É preciso interromper essa escalada antes que Bolsonaro destrua, por fim, o próprio País.
A trajetória da Presidência de Bolsonaro até aqui é impressionante. No início, constituiu um Ministério até razoável, capaz de fazer um bom trabalho em quase todas as áreas, e informou que estabeleceria uma nova forma de relação com o Congresso, sem o velho toma lá dá cá. Um ano e pouco depois, Bolsonaro fez de seu gabinete uma grande barafunda, em que ninguém se entende, e, no Congresso, depois de seguidas derrotas por se negar ao diálogo, resolveu entabular negociação com partidos e políticos envolvidos em escândalos de corrupção, oferecendo-lhes cargos em troca de votos.
Pior: em meio a uma pandemia devastadora, com milhares de doentes e mortos e com o sistema hospitalar público à beira do colapso, Bolsonaro preferiu desdenhar das vítimas e se mostrar mais preocupado com sua popularidade do que com a vida de seus governados.
Com esse espírito destruidor, trata como intocáveis ministros néscios que se dedicam dia e noite a encontrar comunistas embaixo da cama, enquanto inviabiliza o trabalho dos ministros e assessores que, ao contrário, prezam o cargo que ocupam e têm útil e valiosa colaboração a dar. Bolsonaro substituiu o ministro da Saúde porque este não aceitava desrespeitar as orientações da Organização Mundial da Saúde para enfrentar a pandemia de covid-19; desmoralizou sua equipe econômica ao resistir a fazer reformas e ao flertar com a irresponsabilidade fiscal; permitiu a fritura da ministra da Agricultura porque esta se queixou dos ataques bolsonaristas à China, principal cliente do agronegócio brasileiro; e agora tudo fez para provocar a saída do ministro da Justiça porque este se recusou a permitir que ele interferisse politicamente no comando da Polícia Federal (PF).
Para perplexidade dos brasileiros, Sérgio Moro, ao anunciar sua demissão do Ministério da Justiça, informou que Bolsonaro lhe disse que “queria ter (na chefia da PF) uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência”. Para ilustrar a gravidade do caso, Sérgio Moro, com uma pitada de ironia, deu o seguinte exemplo: “Imagine se, durante a Lava Jato, o presidente (Lula), a presidente Dilma ficassem ligando para a superintendência (da PF) em Curitiba para colher informações sobre as operações em andamento”.
Como resposta, o presidente, em pronunciamento espantosamente desconexo, fez várias acusações contra Sérgio Moro – inclusive a de que exigiu uma vaga no Supremo Tribunal Federal e a de que trabalha para vê-lo fora da Presidência – e também colocou em dúvida o trabalho da PF. Em sua glossolalia, contudo, foi incapaz de explicar a essência da denúncia de Moro, a de que tinha interesse em fazer da PF sua polícia particular.
Trata-se de comportamento intolerável, que pode dar as condições para a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro – a Procuradoria-Geral da República já pediu ao Supremo a abertura de investigação sobre a acusação de Sérgio Moro.
Não se pode aceitar como natural que o presidente queira manipular a Polícia Federal, especialmente considerando-se que há investigações em andamento que interessam ao clã Bolsonaro. Se comprovadas as denúncias, o presidente pode ser acusado de crimes de responsabilidade, prevaricação e advocacia administrativa, entre outros.
As vozes responsáveis do País, inclusive de dentro do governo, têm a obrigação de manifestar seu total repúdio ao presidente Bolsonaro, deixando claro que os limites da lei e da decência há muito foram ultrapassados. “É hora de falar”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, resumindo a urgência. “O presidente está cavando sua fossa. Que renuncie antes de ser renunciado. Poupe-nos de, além do coronavírus, termos um longo processo de impeachment. Que assuma logo o vice para voltarmos ao foco: saúde e emprego. Menos instabilidade, mais ação pelo Brasil.”
• O que teme o presidente? – Editorial | Folha de S. Paulo
Bolsonaro joga país em crise; Congresso e STF devem apurar acusações de Moro
São gravíssimas as acusações do ministro demissionário da Justiça, Sergio Moro, contra o presidente da República. A partir delas, torna-se inescapável que as autoridades competentes abram investigações para apurar crimes comuns e de responsabilidade atribuídos a Jair Bolsonaro.
Movido pelo temor de que inquéritos da Polícia Federal pudessem atingir a sua família, o chefe do governo decidiu intervir na corporação, cuja autonomia é mandamento legal. Agiu, segundo acusou Moro, sem nenhuma motivação outra que a tentativa de transformar uma instituição de Estado numa extensão de seu poder pessoal.
É preciso saber o que o presidente teme a ponto de levar o seu ministro mais popular a se demitir, depois de exonerado o diretor da PF. Que investigações em curso pela força policial afligem tanto Bolsonaro que o fazem tomar uma decisão que arremessa o país numa enorme crise política, não bastassem as gigantescas crises sanitária e econômica em andamento?
Não só. Segundo o ex-juiz da Lava Jato, o Planalto também fraudou publicação e assinatura de decreto de exoneração. Estariam configurados os delitos de falsificação de documento e prevaricação, cabendo ao procurador-geral fazer denúncia perante o STF.
Nos crimes de responsabilidade, cuja competência para apurar e julgar é do Congresso, Bolsonaro terá ofendido o capítulo que pune com perda do cargo e cassação dos direitos políticos os atos de improbidade do mandatário, como expedir ordens que contrariam a impessoalidade na administração.
Não será sem custos que a nação enveredará por novo período de investigações contra o presidente. Esses dispositivos extremos deveriam reservar-se a situações que conjugam erosão da governabilidade e afronta à legalidade. É infelizmente o que acontece agora.
• Explicação confusa de Bolsonaro reforça investigações – Editorial | O Globo
Os inquéritos não podem perder o foco na perigosa tentativa de captura da PF por uma família
O pronunciamento do demissionário Sergio Moro, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é de grande impacto sobre o presidente. Tudo o que se suspeitava sobre a intenção de Bolsonaro de interferir na PF para se proteger e aos seus foi confirmado por Moro. A “carta branca” que o presidente dera a Moro foi definitivamente cassada com a demissão “a pedido” — falsa, como denunciou Moro — do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo.
Pelo relato do ex-ministro, o próprio Bolsonaro confirmou a ele que a intervenção na PF é política mesmo. Contou o ex-ministro que o presidente reclamava não poder telefonar para superintendentes regionais a fim de pedir informações e relatórios sobre investigações em andamento. Ou seja, deseja converter a PF em polícia pessoal, como se fosse um ditador típico do Terceiro Mundo, no figurino certamente daquele que manifestantes bolsonaristas querem que ele seja.
A resposta do presidente, dada em pé, à frente do ministério, no qual apenas o ministro da Economia, Paulo Guedes, usava a devida máscara, foi uma mistura confusa de prestação de contas, comício e explicações vagas demais para a gravidade dos relatos de Moro. Segundo o ex-ministro, já existe uma investigação na qual o presidente deseja interferir: o inquérito aberto no Supremo, a pedido da Procuradoria-Geral da República, sobre os subterrâneos que alimentam as manifestações antidemocráticas, favoráveis ao presidente. Que deve se juntar a um anterior, também presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, acerca da usina de produção de fake news contra adversários políticos. O clã Bolsonaro tem motivos para temer os inquéritos, tanto que o presidente se arriscou a pressionar Moro, e colheu grande prejuízo.
Nas suas explicações, lidas e entremeadas de improvisos desconexos, Bolsonaro não negou desejar ter informações de inteligência para tomar decisões — natural, mas que deve ser feito de maneira formalizada. Outra coisa é querer substituir até superintendentes regionais da PF, caso do Rio de Janeiro, onde ele e família moram e corre pelo menos uma investigação sobre um filho, o senador Flávio Bolsonaro, envolvido em um esquema de desvio de dinheiro público na Alerj, quando era deputado estadual.
Há uma crise institucional grave que acontece enquanto hospitais e cemitérios ficam lotados de vítimas do coronavírus. Devido à irresponsabilidade política de Bolsonaro, o país precisa conviver com as duas. Acusações e defesa têm de ser avaliadas em devidos inquéritos, também com a participação do Congresso. O procurador-geral da Republica, Augusto Aras, encaminhou ao Supremo pedido de abertura de investigações. Só assim, versões desencontradas podem ser esclarecidas, sem que se perca o foco na questão central do risco do uso da PF e de outros organismos de segurança do Estado por uma família e um grupo político.
No jogo da busca por instituições republicanas fortes, o Brasil volta várias casas. Mas nada que não possa ser recuperado. A norma na política brasileira infelizmente tem sido o patrimonialismo, o clientelismo e a fisiologia, que, tudo indica, deverão ser praticados com intensidade. Instituições estratégicas como o Judiciário, em que se destaca o Supremo; o Legislativo; o Ministério Público e mesmo a Polícia Federal precisam reagir.
O ex-capitão e deputado Jair Bolsonaro soube construir a imagem de um combatente anticorrupção, antivelha política, mesmo tendo militado por 28 anos no fundo do plenário, no baixo clero, representando corporações, um tipo de político sem preocupação com os grandes temas nacionais. Ajudado pelo voto útil contra o PT, conseguiu eleger-se presidente, mas este personagem farsesco de imagem arranhada já há algum tempo destruiu capital político com a demissão do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
• O vírus nas contas externas – Editorial | O Estado de S. Paulo
Dólares continuam suficientes, mas é bom evitar ações políticas desastradas
Para o bem e para o mal, o coronavírus mexeu nas contas externas do Brasil em março, devorando reservas, diminuindo viagens para fora e invertendo a mão dos investimentos entre matrizes no Brasil e filiais no exterior. O resultado geral do mês foi até positivo, com superávit de US$ 868 milhões, um número mais apreciável quando comparado com o saldo de março de 2019, um déficit de US$ 2,66 bilhões. Comemorar seria um exagero, porque a crise internacional é profunda e há muita insegurança nos mercados. Mas é possível anotar alguns dados positivos. O investimento direto continua mais que suficiente para cobrir o buraco nas transações correntes, o endividamento em moeda estrangeira é moderado e o risco de grandes problemas cambiais parece distante.
O superávit comercial, de US$ 4,19 bilhões, foi o principal pilar das contas, em março, como tem ocorrido normalmente. Esse resultado foi garantido, como também tem sido normal, pelo saldo positivo do agronegócio, o principal pilar do comércio exterior brasileiro.
Esse pilar seria muito mais fraco, ou talvez se tivesse esboroado, sem o esforço da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para remediar as agressões do presidente Jair Bolsonaro, de seus filhos e até do ministro da Educação a alguns dos maiores compradores de alimentos e outros produtos da agropecuária brasileira. A China, maior importadora desses produtos, tem sido o alvo mais frequente desses ataques.
Também a ministra tem sido atacada e pediu ajuda, recentemente, ao presidente Jair Bolsonaro. O Ministério da Agricultura, há algumas décadas um dos mais eficientes, tem mantido essa posição, e até de modo mais diferenciado, na atual administração federal. Interferências desastradas no setor agropecuário, especialmente em seu comércio externo, podem abalar severamente a segurança cambial do Brasil. Erros nessa área podem rapidamente resultar em perdas de muitos bilhões de dólares de receita comercial.
Resultados positivos, como o do mês passado, são eventos ocasionais quando se trata das transações correntes. O saldo acumulado no primeiro trimestre foi um déficit de US$ 15,24 bilhões, pouco maior que o do trimestre anterior, de US$ 15,04 bilhões. Os US$ 19,23 bilhões de investimento direto nesse período foram mais que suficientes, como tem ocorrido há vários anos, para compensar o saldo negativo.
As transações correntes incluem a balança comercial de bens, a conta de serviços (itens como fretes, viagens, seguros e aluguéis de equipamentos) e o movimento de rendas (juros, lucros, dividendos e remessas unilaterais). Essas transações sintetizam o intercâmbio com o exterior. No Brasil, a balança comercial, geralmente positiva, compensa em parte os saldos negativos de serviços e rendas e mantém o conjunto em condições administráveis. O investimento direto é a melhor forma de cobrir o déficit geral.
Esse déficit continuou moderado nos 12 meses até março. Ficou em US$ 49,65 bilhões, pouco abaixo do registrado até fevereiro (US$ 53,18 bilhões), e foi coberto por US$ 79,51 bilhões de investimentos diretos. Apesar do baixo crescimento a partir de 2017, depois da recessão, esse dinheiro tem sido mais que suficiente. Mesmo a crise provocada pela pandemia foi menos danosa, quanto a esse ponto, do que se podia temer até há pouco tempo.
Sem pânico, é indispensável manter a atenção às condições externas. Em março entraram US$ 7,62 bilhões de investimento direto. A maior parte, US$ 4 bilhões, correspondeu a investimento reverso, dinheiro de filial no exterior para matriz no Brasil. O investimento em 12 meses continua mais que suficiente, mas os próximos meses serão perigosos. Reservas, ainda satisfatórias, caíram para US$ 342,2 bilhões em março, com redução de US$ 19,3 bilhões em um mês. A perda resultou de vendas efetuadas pelo BC para atenuar a instabilidade cambial, efeito da insegurança nos mercados. A travessia até o fim do ano será difícil e o País precisará de uma condução econômica segura, sem intervenções desastradas, portanto, do Palácio do Planalto.
• Apenas um showman medíocre – Editorial | O Estado de S. Paulo
À falta de coordenação do MEC, secretarias seguem as diretrizes dos governos locais
A rigor, é incorreto afirmar que o Ministério da Educação (MEC) segue à deriva. A julgar pelas ações e palavras do ministro Abraham Weintraub, há um direcionamento muito claro para a pasta: criar o máximo de confusões que alguém inepto e movido por um inexplicável desejo de vingança é capaz de produzir. E neste intento, a bem da verdade, não há quem possa dizer que a assim chamada “gestão” de Weintraub à frente de um dos mais importantes Ministérios da Esplanada não seja um sucesso. Assim deve ver o seu chefe imediato, o presidente Jair Bolsonaro, que há mais de um ano o mantém no cargo a despeito do incontornável fato de que seu ministro nada fez de relevante para o desenvolvimento da educação no País até agora. E nada indica que fará.
Entre a provocação de mais um incidente diplomático com a China e a zombaria com a morte de uma senhora por covid-19, Weintraub encontrou tempo para criar mais uma confusão. No Twitter, sua arena de predileção, o ministro recomendou que “os governadores devem planejar o retorno das aulas, tirar as nádegas das cadeiras e rebolar atrás do prejuízo”. Abraham Weintraub é mais um membro do primeiro escalão do governo federal a desdenhar da gravidade da maior emergência sanitária em um século. Sem tecer considerações mais alongadas sobre a indignidade de seu vocabulário, o que ele recomenda é, antes de tudo, um perigo, uma grave ameaça à saúde pública. Por sorte, suas palavras não têm ressonância além dos bolsonaristas mais fervorosos que o acompanham na internet, ou seja, o raio de estragos que a sua escrita irresponsável pode produzir é limitado. Custa crer que governadores e prefeitos minimamente responsáveis autorizarão a volta às aulas no momento em que o País nem sequer atingiu o pico de contaminações pelo novo coronavírus. Planos de flexibilização da quarentena já vêm sendo discutidos por alguns entes federativos, mas em nenhum deles, pelo que tem sido noticiado, consta a reabertura das escolas, nos termos ditados pelo ministro.
Além da inoportuna e perigosa volta às aulas, o ministro Abraham Weintraub defendeu a manutenção do calendário do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2020. “Cancelar o Enem será mais um tijolo na muralha do autoritarismo em construção. Sem expectativas, 5 milhões de jovens perdem o ano, sem emprego, faculdade e presos em casa. Ganham a União Nacional dos Estudantes (UNE) e os monopolistas que criarão a grande empresa privada para substituir as federais. Vai ter Enem”, escreveu o ministro no Twitter.
Sob quaisquer parâmetros, neste momento, tanto a volta às aulas como a manutenção do calendário do Enem são dois disparates em meio ao enfrentamento da pandemia de covid-19. Os riscos de natureza sanitária das propostas de Weintraub são tão óbvios que tecer considerações mais alongadas sobre eles pareceria uma ofensa à inteligência dos distintos leitores. Do ponto de vista estritamente acadêmico, o argumento do ministro é incoerente, haja vista que os alunos mais carentes – os que ele pretende “proteger” – são justamente os que têm pouco ou nenhum acesso a aulas online. Logo, os que mais são prejudicados pela perda de conteúdo didático no período de necessário isolamento. Vê-se com isso que o ministro Weintraub está muito mais preocupado em advogar pela volta à normalidade – com claro objetivo de se alinhar ao discurso de seu chefe – do que propriamente com a saúde ou os interesses de alunos, suas famílias e professores.
O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) divulgou nota em que manifesta discordância com as posições do MEC e “reitera sua posição pela necessidade de ajuste no cronograma (do Enem) em benefício de nossos estudantes, especialmente os mais carentes da rede pública”.
À falta de coordenação do MEC, as Secretarias da Educação de Estados e municípios seguem diretrizes dos governos locais, em boa medida orientadas por critérios técnicos e pelo bom senso. Enquanto isso, Abraham Weintraub segue no cargo como dublê de ministro e showman incompetente.
• Preservar a PF – Editorial | Folha de S. Paulo
Ingerência de Bolsonaro explicita urgência de tratar órgão como ente de Estado
O estupefaciente pronunciamento de despedida de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública jogou luz sobre uma velha conhecida da política brasileira: a interferência do governo em órgãos que deveriam ser de Estado.
Segundo o relato do ex-ministro, Jair Bolsonaro o fez saber da intenção de alterar o comando da Polícia Federal. A tosca negativa do presidente em sua réplica agora será objeto de exame na Justiça, caso prospere o inquérito pedido pela Procuradoria-Geral da República.
Como não apresentou razões objetivas, afirmou Moro, Bolsonaro foi inquirido acerca de uma justificativa para o fato. O presidente disse, conforme a versão, que era meramente uma questão política.
Ato contínuo, falou sobre a necessidade de poder ligar diretamente para o diretor, consultar relatórios de inteligência. E acerca do temor com o desenrolar das investigações do Supremo Tribunal Federal de seu interesse.
Tais apurações são conhecidas: versam sobre a fábrica de fake news que acompanhou a ascensão do bolsonarismo no país e, agora, sobre os atos golpistas prestigiados pelo presidente em pessoa.
Além disso, tira o sono do mandatário máximo a arqueologia das práticas de seu clã no Rio, por meio dos inquéritos centrados nas relações com práticas ilegais e personagens ligados a milícias.
A autonomia de fato da PF é uma conquista relativamente recente. Foi provada ao longo dos anos do PT no poder, quando, mesmo subordinada a ministros da Justiça que por vezes agiam como advogados do presidente, a entidade apurou inúmeros casos de corrupção.
Em 2018, um diretor-geral simpático às agruras do então presidente Michel Temer (MDB) durou apenas 99 dias no cargo. Apesar deste exemplo virtuoso, é necessário ressaltar que autonomia não significa ausência de controle, prestação de contas e transparência.
A memória de episódios de abuso como a Operação Satiagraha, em 2004, traz lição cautelar.
Isso dito, urge aproveitar a gravidade da situação atual para implementar um sistema que garanta as características de entidade de Estado inerentes ao trabalho da PF.
Um diretor submetido a sabatina no Senado, a exemplo do que se faz no americano FBI, seria desejável, talvez também com mandato.
O reforço da musculatura de corregedoria, também. E uma apuração exemplar dos fatos relatados por Moro, para que a história não venha a se repetir como farsa.
Enquanto isso, medidas como a determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, de preservação dos delegados federais que investigam o caso das fake news constituem, sim, paliativos importantes.
• Delírios de um tresloucado – Editorial | Folha de S. Paulo
Despreparado, chanceler Araújo se dedica a estultices a respeito do coronavírus
No momento em que o país enfrenta uma conjunção de crises nas frentes política, econômica e sanitária, os comentários do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, sobre relações entre o coronavírus e o comunismo apenas sublinham o caráter tresloucado dos mentores do silabário ideológico do governo de Jair Bolsonaro.
Na quarta-feira (22), o chanceler expressou a ideia de que a pandemia, que já contaminou milhões e tirou a vida de milhares em diversos países, estaria conectada a um “projeto globalista”, considerado, em sua visão exótica, o “novo caminho do comunismo”.
Em seu blog pessoal, o ministro afirmou que o referido projeto já vinha sendo implementado por meio do que chama de “alarmismo climático”, bem como “da ideologia de gênero, do dogmatismo politicamente correto, do imigracionismo, do racialismo (...), do antinacionalismo e do cientificismo”.
Embora Araújo não mencione, sua cartilha tenta se impor, o quanto possível, em plano internacional, sob a liderança, entre outros, do ideólogo norte-americano Steve Bannon, um dos articuladores da vitoriosa candidatura de Donald Trump ao governo de seu país.
Ex-assessor e estrategista da Casa Branca, cargo do qual foi exonerado ainda no início do mandato de Trump, Bannon é figura central da “alt-right” (direita alternativa), designação sob a qual se abrigam políticos populistas autoritários e militantes do conservadorismo tosco que encontrou, entre nós, sua expressão no bolsonarismo.
O ministro brasileiro, que não perde oportunidade de alardear suas chorumelas doutrinárias, considera que a atual pandemia é instrumentalizada por forças, sabe-se lá quais, interessadas em propagar ideias e práticas comunistas em escala planetária.
Sentindo-se provavelmente imaginoso, Araújo cunhou o infame trocadilho “comunavírus” em seu esforço de ideologizar as reações para conter o processo de contaminação em diversos países.
Como seria de imaginar, a Organização Mundial de Saúde (OMS) seria, em sua visão, ferramenta global para a “construção da solidariedade comunista planetária”.
Em meio a devaneios dessa ordem, o chanceler firma-se como um dos quadros mais despreparados que já passaram pela pasta. No que deveria ser sua tarefa essencial, limita-se a uma política externa guiada pelo objetivo primordial de bajular o governo americano.
• Subnotificação faz com que dados oficiais não retratem a realidade – Editorial | O Globo
Estudo estima que número de infectados pela Covid-19 pode ser 15 vezes maior do que o registrado
O Brasil contabilizou ontem 52.995 casos confirmados de Covid-19 e 3.670 mortes, segundo o Ministério de Saúde. Números expressivos, mas nem de longe espelham a realidade sobre a doença, devido ao grande número de subnotificações.
Em meados de abril, quando os números oficiais apontavam 20.727 casos, o portal Covid-19 Brasil, que reúne a USP e a UnB, entre outros centros de pesquisa, estimou que o total de infectados era de 313.288, 15 vezes maior do que o anunciado. O que situaria o Brasil como um dos países com maior número de casos, atrás apenas dos EUA.
Como mostrou reportagem do GLOBO, 2.771 pessoas morreram este ano (até 20 de abril) por doenças respiratórias não identificadas. O que representa mais do que o número oficial de mortes por Covid até aquela data (2.575). Para especialistas, boa parte desses óbitos foi causada pelo novo coronavírus.
Um dos motivos que impedem um panorama real é a falta de testes. Porém, o ministro da Saúde, Nelson Teich, afirma ser inviável a testagem em massa. Segundo ele, nem a Coreia do Sul, citada como exemplo no controle da epidemia, testou toda a população.
Embora estejam em curso ações do Ministério para rastrear o avanço da doença por meio de testes e entrevistas em amostras da população, o fato é que o número com que se trabalha hoje não reflete a realidade. E, portanto, dificulta as comparações com outros países.
Sabe-se que para controlar a epidemia é importante entender como ela avança. Nos EUA, estudo mostrou que o vírus já estava circulando muito antes de ser detectado, no início de março.
A verdade é que o país vive um momento crítico da evolução da doença. O número de mortes acelera numa velocidade que já superaria a de Itália e Espanha, onde cenas de horror passaram a fazer parte do cotidiano. Combater o inimigo às cegas é o pior cenário.
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