- Folha de S. Paulo
Como explicar o aumento da popularidade presidencial à luz do horror sanitário e da recessão econômica?
"La vittoria trova cento padri, e nessuno vuole riconoscere l'insucesso" (a vitória encontra cem pais, e o fracasso não é reconhecido por ninguém), notou Conde Ciano, ministro do exterior e genro de Mussolini. A disputa em torno de quem é o responsável —que merece crédito ou deve ser punido— é ubíqua na política; mas ela se agudiza onde há tensões na separação horizontal e vertical de Poderes.
A estratégia de Bolsonaro para a pandemia consistiu em atribuir responsabilidade aos governadores pelo horror sanitário e pelo colapso da economia. A expectativa era dupla: se suas ações gerassem resultados positivos, tratava-se, como alegou, "de uma gripezinha". Caso contrário, seria a confirmação de que acabariam piorando a situação, como havia alertado.
Seu receio maior era uma conflagração que viesse a desestabilizar o governo. Se inicialmente o auxílio emergencial foi pensado como o melhor remédio para o colapso, seu enorme potencial político foi percebido "ex-post", quando o Congresso elevou seu valor de $190 para $500. O aumento para $600 pelo presidente buscou torpedear a estratégia congressual para desgastá-lo, caso o vetasse, e capturar o crédito político.
A responsabilidade congressual é difusa, e a presidencial é concentrada: "todo o esforço e o trabalho que o Parlamento faz geram louros para o Executivo", como lembrou o presidente do MDB. De qualquer modo, interessa ao Parlamento, sobretudo à oposição, "tomar posição" e falar para seu público interno.
Por outro lado, o aumento da popularidade de Bolsonaro em um quadro de mais de 100 mil mortos sugere que sua estratégia teve êxito.
O abandono do estilo confrontacional e o auxílio foram fatores cruciais. A transferência de responsabilidade pretendida não foi uniforme, o que impede generalizações. O presidente em parte logrou desresponsabilizar-se, mas a transferência de culpa é incerta. No entanto, ela foi facilitada pelo arranjo federativo que obscureceu ou até borrou completamente a responsabilidade federal.
O federalismo estimulou uma disputa política em torno do desempenho relativo dos estados, produzindo uma "desnacionalização da pandemia" —assim, são 27 diferentes pandemias. E revelou escassa solidariedade interregional, além de mecanismos perversos de culpabilização (certas populações ou dirigentes mereceriam sua sina).
Além disso, a difusão da Covid não segue um padrão uniforme: o ciclo temporal produz a sensação precoce de melhoria nos estados que foram atingidos primeiro, malgrado a escalada de vítimas.
Bolsonaro saiu na frente. O que ocorrerá quando "se desligar o aparelho" que garante a sobrevida de vastas parcelas do eleitorado, não sabemos.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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