A
indicação de Kassio Marques para a vaga no STF é um processo de surpresas e
atropelos. Surpresas porque se esperava de Jair Bolsonaro um nome
“terrivelmente evangélico” – o que não ocorreu. Atropelos porque, após a
indicação, aspectos do currículo do candidato foram revelados, deixando
constrangimento para quem se apresenta à vaga, quem o indica e quem o aprovará,
em sabatina.
Ao
se afastar da promessa que fez à base evangélica, o presidente surpreendeu pelo
pragmatismo, incomum no seu caso. Ser “terrivelmente” adepto de qualquer
religião não é qualificativo para tribunais em Estados laicos e democráticos. O
que se espera de um juiz é estatura jurídica. De sorte que Bolsonaro
surpreendeu e indicou alguém com melhores condições do que se esperava.
Mas,
também as articulações que levaram ao nome de Marques foram surpreendentes. O
noticiário indica que a escolha compreende enfraquecimento da Lava Jato no STF.
O futuro ministro pode ter visão jurídica distinta da operação; ser mais ou
menos crítico em relação a isso não é um defeito, desde que faça sentido
jurídico. Posicionamentos dessa ordem deveriam ser tratados pelos senadores.
O
irônico é que ministro com essa inclinação seja indicado por Jair Bolsonaro,
que cavalgou na popularidade e no radicalismo lavajatista. Que fez coro a ele,
exigindo o fim da “velha política”, e a mais que dura punição, sem remissão, de
envolvidos com corrupção. Os ventos mudam de direção: Bolsonaro teria
capitulado e conciliado com seus antigos adversários? O certo é que ou errou lá
ou erra aqui.
Da indicação para cá, problemas nos certificados de notório saber do futuro ministro foram revelados: títulos que não se confirmam e denúncias de plágio surgiram; imprecisões, enfim, frequentes no atual governo. Mas que, num ambiente de necessário rigor, seriam pontos para reanálise da própria indicação: são questões que comprometem mais do que ser contra ou a favor de teses jurídicas, pois desgastam a imagem de alguém que será guardião inconteste da Constituição. A busca do esclarecimento deveria ser ponto central da sabatina.
Mas isso dificilmente ocorrerá. A sabatina tende a não sabatinar, pois a posição do futuro ministro em relação à Lava Jato parece bastar. A conciliação de interesses apenas aparentemente contraditórios sabe fazer a curva dos ventos e tudo se dissipa na fachada do teatro.
*Carlos
Melo cientista político e professor do Insper
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