O
fracasso na aprovação de reformas trará um quadro de turbulência econômica em
2021
A
mediana das projeções para o crescimento do PIB brasileiro em 2021 está em
3,47%, segundo a pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central na última
segunda-feira. Entretanto, alguns riscos relevantes se acumulam no horizonte e
podem levar tais previsões a se frustrarem, deixando a economia brasileira bem
aquém de uma recuperação em “V”, após o gigantesco tombo provocado pela
covid-19.
O
risco mais óbvio deriva da provável queda da renda disponível das famílias, em
razão do término do programa do coronavoucher, para o qual não há substituto
possível em razão das limitações fiscais. Alguma mitigação parcial deste efeito
pode ser viabilizada, observadas as possibilidades orçamentárias, mas somente
uma recuperação mais forte da ocupação faria a massa real de renda das famílias
crescer em 2021 e sustentar o aumento do consumo.
Ocorre
que a dinâmica do mercado de trabalho no pós-pandemia vem sendo afetada
negativamente por diversos fatores que ainda estarão presentes nos próximos
meses. Há, é verdade, um processo de recuperação do emprego em curso, mas com
uma velocidade inferior à que seria desejável. Além disso, a retomada ocorre de
maneira heterogênea, com desempenho ainda negativo do segmento de serviços.
Isso decorre não apenas do legado de estragos que a pandemia deixou sobre as
empresas - muitas quebraram e outras diminuíram de tamanho - como também das
incertezas ainda existentes tanto no campo da saúde quanto no da economia.
Com
relação à pandemia, o agravamento da situação europeia e também nos EUA nas
últimas semanas tem sido um balde de água fria sobre o otimismo que vinha se
construindo aqui com a redução da taxa de infecção e de mortalidade que trazem
maior relaxamento das restrições à movimentação das pessoas. Não se pode
descartar a possibilidade que uma segunda onda de infecções ocorra também aqui
no Brasil em alguns meses. Nesse contexto, é bem compreensível a relutância de
algumas empresas em retomar plenamente a recontratação de mão-de-obra, enquanto
não fique mais clara a questão da covid-19.
O
ambiente de incertezas em relação à pandemia pode se dissipar caso se viabilize
no curto uma vacina efetiva contra o novo coronavírus que possa ser
massivamente aplicada nos próximos meses.
Contudo,
há outro fator que está afetando negativamente as expectativas: a percepção
sobre o estágio atual do debate público a respeito do risco fiscal, no contexto
de um endividamento público fortemente magnificado pelas despesas e renúncias
de receita associadas ao combate aos efeitos econômicos negativos da pandemia.
Preocupa especialmente a falta de definição do governo federal sobre o que
fazer diante dos desafios sérios que se apresentam no campo das finanças
públicas.
O
ministro Paulo Guedes, infelizmente, não tem conseguido liderar o debate do
tema no seio da administração, contestado que tem sido até pelo próprio
Presidente da República em questões viscerais para a manutenção da
responsabilidade fiscal.
Não
bastasse isso, os demais poderes da República parecem absolutamente
descompromissados com o tema, como se restrição orçamentária fosse apenas uma
criação ficcional de alguns economistas amalucados. A propósito, deve ser
mencionado que o aumento do risco fiscal já está levando o mercado a exigir
prêmio crescentes nos leilões de títulos públicos, o que é um sinal grave e
incontestável da degradação das expectativas.
A
questão fiscal, vale dizer, não se cinge apenas à manutenção ou não do teto
constitucional de gastos. Pode até surgir um remendo qualquer que preserve o
teto em 2021, mas sem um ataque mais direto às fontes endógenas do crescimento
das despesas públicas e uma reforma tributária mais abrangente o ambiente de
incertezas se manterá ao longo do ano que vem, derrubando o ritmo da retomada
da economia. Cabe lembrar que em 2022 haverá eleições presidenciais, quando
será muito mais difícil a aprovação de reformas ou medidas impopulares no
Congresso Nacional. Em razão disso, é bem provável que um eventual remendo
fiscal dure pouco, não sobrevivendo ao início do debate sobre o orçamento de
2022.
Assim,
para restaurar a confiança dos agentes econômicos e afastar o risco de
insolvência no endividamento público, o Brasil necessita de instrumentos
estáveis e embutidos no nosso quadro legal que sejam compatíveis com a
responsabilidade fiscal numa perspectiva de médio e de longo prazos. O fracasso
na aprovação nos próximos meses de reformas que sejam conducentes à restauração
do equilíbrio fiscal no futuro imediato trará um quadro de turbulência
econômica em 2021, com maior volatilidade no câmbio e aumento das taxas de
juros, que inviabilizará a retomada sustentável da atividade e a queda do
desemprego.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
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