O
que acontecerá se a democracia brasileira for salva por seus defeitos?
Há
uma percepção generalizada de que Bolsonaro tornou-se mais conciliador porque
não conseguiu abafar
o caso Queiroz. Dois colunistas da Folha notaram isso no último sábado (10):
Hélio Schwartsman escreveu
que Bolsonaro foi moderado pelo medo das investigações contra ele.
Fernando
Haddad foi mais direto (e sarcástico): a
corrupção de Bolsonaro pode ter salvado a democracia brasileira. Mais
sutil, a revista Veja dessa semana elogiou Bolsonaro pela postura mais
moderada, "goste-se ou não de suas motivações".
Na
verdade, houve época em que os problemas legais de Bolsonaro até aceleraram seu
golpismo. Mas, de fato, foram as investigações que o levaram às negociações com
Toffoli, às conversas com Gilmar e com o centrão.
Ali
começou o processo que culminaria na indicação
de Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal
Federal. Kassio tem certas crises de identidade na hora de citar
autores, mas é muito melhor do que o que se esperava de uma indicação
bolsonarista.
O
medo em 2018 era que Bolsonaro desse um golpe surfando o lavajatismo,
aproveitando a desmoralização das instituições para confrontá-las. No fim das
contas, o golpismo era 100% real, mas o moralismo era cascata. A posição atual
do governo é que o que cura corrupção não é Lava Jato, é
cloroquina.
Restam
algumas perguntas, que já discutimos aqui na coluna: o acordão de Bolsonaro é
estável? O desmantelamento
da Lava Jato é uma pacificação ideologicamente neutra ou um
aparelhamento do combate à corrupção, como o que se viu no caso Witzel?
Bolsonaro continuará cauteloso se os protestos de rua voltarem? Se for
reeleito? Se o caso Queiroz for definitivamente encerrado? E o que faremos, se,
da próxima vez, o fascista for honesto?
Não
só a Lava Jato, mas todas as outras iniciativas de combate à corrupção saem
perdendo, seja pelo aparelhamento bolsonarista, seja pela ressaca de anos de
turbulência que acabaram dando no Jair.
Mas
isso pode ser o de menos: vai haver uma reorganização partidária nos próximos
anos. E agora ela vai acontecer com o centrão mais forte do que nunca.
Em
2017, o
Congresso Nacional aprovou mudanças eleitorais que devem reduzir o número de
partidos. A principal delas é a proibição de coligações nas eleições
proporcionais (para vereadores, deputados estaduais e federais).
Nossa
esperança sempre foi que o centro fisiológico da política brasileira fosse, aos
poucos, sendo espremido entre uma centro-esquerda e uma centro-direita fortes a
partir de PT e PSDB. Torcíamos pelo fim do que o filósofo Marcos Nobre chamou
de "peemedebismo".
Aconteceu
o contrário. Às vésperas de uma mudança de regra que deve reforçar quem já é
grande, os partidos de identidade mais clara e maior enraizamento social vão
mal, e o peemedebismo está dando volta olímpica por ter salvado a democracia.
Mesmo
no cenário otimista em que Jair
Bolsonaro foi só uma curva errada no caminho de nossa democracia,
mesmo se tivermos conseguido moderá-lo, tanto seu autoritarismo quanto a forma
de sua moderação podem ter consequências que durem muito mais tempo do que seu
mandato.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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