O
argumento de realinhamento político regional não se sustenta
A
geografia do voto é fonte recorrente de erros interpretativos. Discute-se o
voto no Nordeste como se ele tivesse um DNA político. O
mito do momento é o do Nordeste vermelho. No Brasil Império, o Nordeste
sequer existia no léxico político: na narrativa política o país era dividido em
Norte e Sul.
Entre
nós nunca ocorreu conflitos como nos EUA, em que o Norte e Sul travaram uma
guerra sangrenta, que marcou a política e moldou o sistema partidário. Enquanto
o partido republicano continua homogêneo, o partido democrata até o início dos
60 era uma coalizão de duas facções: elites conservadoras sulistas
(anti-yankee) e de setores de perfil social variado, das grandes áreas
metropolitanas.
Apenas
na década de 70 (em
resposta à chamada Estratégia Partidária para o Sul)
os congressistas sulistas conservadores —que apoiaram Nixon e Reagan— reconfiguraram
a identidade e migraram para o Partido Republicano. Daí derivou um alinhamento
entre identidade racial e partidária: o sulista branco finalmente vira
republicano. O regionalismo míngua. A polarização ganha forte impulso.
Nada
remotamente parecido aconteceu entre nós, onde a mudança reflete apenas a
economia e demografia. Até 1889, Bahia e Pernambuco detinham as maiores
bancadas na Câmara dos deputados (14 e 13, respectivamente) depois de Minas
Gerais (20), maiores que São Paulo (9) ou Rio de Janeiro (12). Em 1860, Alagoas
e Paraíba tinham cinco representantes; Rio Grande do Sul, quatro, e o Paraná
apenas 1, de um total de 116. Em 1960, a geografia da representação já havia se
alterado radicalmente: São Paulo (53) passa a deter seis vezes mais representantes
que Alagoas (9). Mas a Constituição de 46 proibiu os partidos estaduais.
A
grande transformação nos últimos 20 anos é a ascensão política do Centro-Oeste.
Se o Nordeste como narrativa política foi inventado nos anos 20 e 30, seu auge
ocorreu entre os anos 50 e 70. Sua morte foi lenta a partir dos anos 90. Não há
mais região, mas estados: a Bahia, o Ceará...
Fatores
puramente contingentes —a Era Lula, governos estaduais petistas mais
recentemente— produziram a irrupção esporádica da narrativa regional. É claro
que lealdades estaduais (mais que regionais) não desapareceram: o voto em
Marina no Acre, em Lula em Pernambuco, Ciro no Ceará.
A
popularidade crescente de Bolsonaro põe em xeque
o mito do Nordeste vermelho. Trata-se apenas de menor velocidade de
penetração do nome na região e do qualunquismo que
já analisei neste espaço.
Bolsonaro
era conhecido no Rio de Janeiro e São Paulo, não o era no Nordeste. Se a
crítica a este mito estiver correta, podemos prever expressiva expansão do
bolsonarismo na região.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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