Mais que o tradicional “bom dia” nos grupos de WhatsApp das famílias, uma expressão se espalhou pelas redes sociais no Brasil em tempos de governo Bolsonaro: “Não se tem um dia de paz”.
A
constatação ganhou especial significado durante a pandemia. Nos aproximamos de
forma célere dos 250 mil mortos, a vacinação se dá em ritmo de tartaruga, o
auxílio emergencial ainda é um esboço, mas o país parou na Quarta-Feira sem
Cinzas para acompanhar a prisão de um deputado da linha de frente da base
bolsonarista que não via outra prioridade diante deste quadro que não fosse
pregar a volta do AI-5, agressões físicas a ministros do Supremo e a troca
sumária de todos os integrantes da Corte.
O
chilique do valentão se deu porque o ministro Edson Fachin fez o óbvio:
protestar contra a interferência indevida que o general Villas Bôas confessou
ter sido feita com aval do Alto-Comando das Forças Armadas na decisão que o STF
teria de tomar sobre um recurso do ex-presidente Lula em 2018.
A prisão do deputado ainda mobiliza os três Poderes da República três dias depois. Os deputados, antes prontos a correr em socorro do colega, agora entenderam que ele foi longe demais e que salvar sua pele pode implicar comprometer a própria. Da mesma maneira, Bolsonaro, sempre tão boquirroto quanto Daniel Silveira, fez boca de siri quando o amigo foi em cana. Natural: sabe que tem seus próprios passivos, que incluem os do filho Flávio e os do ministro Eduardo Pazuello, com o Supremo e não vai se queimar por um deputado de 31 mil votos que se notabilizou por rasgar uma placa com o nome de Marielle Franco.
Ainda
que o presidente tenha esse gesto isolado de comedimento (que pode ser quebrado
a qualquer momento, numa live ou num aglomeração no cercadinho do Alvorada), a
própria existência de um Daniel Silveira como deputado e a necessidade de que
ele seja preso para parar de atentar contra a democracia mostram quão
disfuncional é o governo Bolsonaro, e quanto o Brasil paga dia a dia por isso.
A
diferença entre um governo tresloucado e um minimamente normal pode ser vista
de forma didática nos Estados Unidos. A simples retirada de Donald Trump de
cena e sua substituição pela equipe de Joe Biden fez com que fosse triplicado o
ritmo de vacinação no país, a média diária de casos de Covid-19 despencasse de
195.064 para 77.665, e coisas simples como usar uma máscara deixassem de ser
tabus ideológicos.
Por
aqui, o presidente segue buscando milagres para enfrentar o vírus, enquanto seu
ministro faz promessas sem nenhum amparo na realidade de centenas de milhões de
doses de vacinas, sem estipular um cronograma seguro e claro de como elas serão
fornecidas a estados e municípios.
O
resultado dessa completa inépcia de Bolsonaro e Pazuello e do show de horrores
da ala bizarro-ideológica do bolsonarismo é que também a economia é
profundamente afetada. Em vez de se ocupar do desenho do projeto para a volta
do auxílio emergencial e das medidas adicionais necessárias para garantir que
ele não estoure as já depauperadas contas públicas, o comando da Câmara passou
os últimos dias quebrando a cabeça para tentar livrar a barra do troglodita sem
afrontar o STF. Mas ficou claro que, desta vez, os ministros não deixariam
barato nenhuma atitude corporativista que fragilizasse o Judiciário.
A votação unânime dos 11 ministros delimita uma risca no chão. O Congresso parece ter entendido isso. O silêncio de Bolsonaro mostra que ele também sentiu o golpe. Que os eleitores também entendam que só elegendo políticos comprometidos com a democracia, o que esses de turno não são, o país poderá sair da anormalidade absoluta para o mínimo de paz que todos pedem em vão nos seus posts no Twitter.
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