A
hora não é de crer em vaticínios, mas de criar alternativas
Muitos
democratas têm se manifestado no sentido de que uma “terceira via” não tem
chance e que um segundo turno entre Bolsonaro e Lula é inevitável. Ato
contínuo, elogiam Lula, que, afinal, “é um democrata” e não tem por objetivo
desmontar por completo as instituições, como o supremo mandatário vem fazendo.
Lula
se assemelharia ao barítono da ópera da anedota, que, brutalmente vaiado,
alerta: “Não gostaram do barítono? Esperem para ouvir o tenor!”. O barítono
Lula parece determinado a mostrar que não desafina, e, incansável, perambula
por Brasília, conversa com todo mundo, lança pontes ao centro, busca vacinas,
produz um discurso com começo, meio e fim.
Diante
da insuportável cacofonia produzida pelo tenor que ocupa o Alvorada, Lula surge
com a maviosa voz de um Fischer-Dieskau redivivo. Mas quão afinado com a
democracia está, de fato, o barítono Luiz Inácio?
Foi Lula quem criou a polarização e o ódio político: o “nós x eles” que impede o país de se reconciliar consigo mesmo começou contra Collor em 1989, intensificou-se no mensalão, chegou ao paroxismo na Lava-Jato e no impeachment de Dilma; o hábito petista de chamar qualquer não petista de fascista, racista, homofóbico etc. perdura até hoje. Fake news foram usadas para assassinar a reputação de Marina Silva em 2014, e foi Lula que iniciou a campanha de desmoralização e descredibilização da imprensa (que os petistas chamam de “mídia golpista”).
O
esquema de corrupção centralizada, administrada pelo Planalto, não foi algo que
“sempre existiu”, como dizem os petistas. Foi algo novo: um método de governo
que comprava em dinheiro vivo o apoio dos parlamentares e, assim, atentava
contra um dos alicerces da democracia, a separação dos poderes, (o tratoraço de
Bolsonaro é parecido). E o dinheiro desviado foi também para a campanha
eleitoral, reelegendo o PT mais três vezes, atentando contra outro pilar da
democracia, a alternância no poder.
“Não se deve perder de vista que, quando se
escolhe o menor entre dois males, o que se escolhe é um mal”
Afora
os ataques à democracia, ainda houve a “nova matriz econômica”, que provocou um
descalabro econômico. E como Lula afirma que o mensalão e o petrolão nunca
existiram e atribui o desastre econômico a Temer, é lícito supor que, eleito,
vá fazer tudo igualzinho.
Admita-se
que, apesar de tudo, Lula continua sendo melhor do que Bolsonaro, mas não se
deve perder de vista que, quando se escolhe o menor entre dois males, o que se
escolhe é um mal. Então é bom examinar bem para ver se essa escolha é mesmo
inevitável. E, por enquanto, não é.
O
Brasil é um país onde terremotos políticos se multiplicam — há pouco mais de um
mês, Lula não era elegível, a CPI da Covid não existia e nada se sabia sobre o
tratoraço, por exemplo —, e ainda faltam dezessete meses para a eleição: há
muita água para rolar.
Quem
vaticina que um segundo turno entre Lula e Bolsonaro é inevitável não está
fazendo análise política, está contribuindo para criar uma profecia
autorrealizável: se aqueles que não querem um segundo turno entre os dois polos
acreditarem que ele é inevitável, assim será.
Não
é hora de crer em vaticínios e inevitabilidades, é hora de criar alternativas.
Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738
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