- O Estado de S. Paulo
Quem obedece não precisa se incriminar, mas
tem de contar tudo sobre quem manda
Quando o general da ativa Eduardo
Pazuello sentar como testemunha na CPI da Covid, nesta
quarta-feira, quem estará no foco não será ele, mas quem mandava nele no Ministério da
Saúde. “Um manda, o outro obedece.” Logo, Pazuello é insignificante,
o que importa são as ordens, ações e maquinações do presidente Jair Bolsonaro para
manter e piorar a pandemia.
Foi isso que a decisão do ministro Ricardo
Lewandowski preservou. Com linguagem simples, mas sofisticada
engenharia jurídica, que ele não construiu sozinho, o ministro do STF deu
um habeas corpus
que diz o seguinte: Pazuello pode ficar mudo quando a questão for
sobre ele, mas continua obrigado a falar quando for sobre Bolsonaro.
É o suficiente para a CPI, porque ninguém quer saber de Pazuello e todo mundo quer saber de Bolsonaro. O ex-ministro, homem errado na hora errada, tem o direito de não se incriminar e não produzir provas contra si mesmo, mas tem de responder e contar como, quando e onde aquele “que manda” agiu contra isolamento, máscaras e vacinas e a favor da cloroquina.
Lewandowski deve ter acalentado a ideia de
simplesmente negar o habeas corpus da Advocacia-Geral
da União (AGU) e determinar que Pazuello falasse tudo, sobre
todos, sob risco de prisão. Ele, porém, não seria tão voluntarista após as
inúmeras vezes em que o Supremo concedeu o direito ao silêncio a depoentes de
CPIs, tanto investigados quanto testemunhas. A solução foi o meio termo, mas
até a previsão de prisão é dúbia.
O Planalto comemorou a “vitória” da AGU e o
senadores Omar Aziz, Randolfe
Rodrigues e Renan
Calheiros cumpriram sua parte, “lamentando” o despacho do STF e
repetindo docilmente que “decisão da Justiça se cumpre, goste-se ou não”. Tudo
teatro. Na vida real, a cúpula da CPI festejou e o governo reclamou.
Cada dia sua agonia. Pazuello dá sinais de
pânico e alegou contato com dois infectados pela covid para desertar,
ops!, adiar o
depoimento. E não é à toa que o presidente aciona AGU, o
ministro Onyx
Lorenzoni, mundos e fundos. É para tentar se salvar de Pazuello.
E o Exército? Já foi duro engolir Bolsonaro
usando um general intendente da ativa para fazer papel de bobo na Saúde,
enquanto o “Gabinete das trevas” decidia no Planalto e o presidente espancava a
realidade, a ciência e o bom senso. Mais duro ainda foi assistir às patetadas
de Pazuello e às humilhações que o presidente lhe impunha – quanto a vacinas,
por exemplo. Imaginem a exposição na CPI!
Justificativa do Ministério da Economia ao
Congresso por não ter previsões orçamentárias para o combate à covid em 2021,
optando por créditos suplementares: ninguém sabia que viria a segunda onda. Por
que não? Porque Bolsonaro trocou médicos e epidemiologistas da Saúde por
militares que nem conheciam SUS e curva epidemiológica e, portanto, eram
incapazes de alertar o Planalto, o governo e o País para os cenários
possíveis. Paulo Guedes e
seus economistas foram imprevidentes,
mas a obrigação de detectar uma nova onda não era deles, era da Saúde. E
Bolsonaro nunca quis um real Ministério da Saúde.
A população captou isso. No Datafolha, a
atuação do ministério na pandemia despencou de 76% com Luiz Henrique
Mandetta para 28% com Pazuello. E, hoje, 51% reprovam e apenas
21% aprovam ação do presidente na pandemia, o que ajuda a entender por que a
sua popularidade derrete.
O depoimento de Pazuello não vai reverter isso, pelo contrário, e Bolsonaro faz duas jogadas de risco: tenta usar os contratos mega-atrasados com a Pfizer para apagar tudo o que fez contra as vacinas e ataca grosseiramente a China para sabotar os insumos da “vacina chinesa do Doria”. Ao retaliar o líder errado, a China prejudica a população brasileira. Alguém aí pode dar um toque no Xi Jinping?
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