O Estado de S. Paulo
O elemento aglutinador em torno de
Bolsonaro é o conservadorismo, e não a saudade do autoritarismo
Muitas pessoas têm mostrado grande
preocupação com a descontinuidade do perfil liberal da democracia brasileira.
Alguns, inclusive, identificam riscos iminentes de quebra da ordem democrática,
especialmente a partir das últimas ameaças do presidente Bolsonaro de
“ruptura” institucional se ministros do STF não
se “enquadrarem”.
As inúmeras respostas das organizações de controle aos arroubos iliberais de Bolsonaro, especialmente contra o STF, parecem que não estão sendo suficientes para gerar tranquilidade e segurança. A imposição de sucessivas derrotas às iniciativas do presidente, tanto no Legislativo quanto no Judiciário, não tem bastado. Tampouco a abertura de quatro inquéritos no STF e um no TSE contra o presidente e a instalação da CPI da Covid, mesmo em um contexto em que dois de seus filhos enfrentam investigações pelo Ministério Público de lavagem de dinheiro por meio de “rachadinhas”.
Diante do estresse quase que cotidiano produzido pela estratégia confrontacional de Bolsonaro, as pessoas desconfiam da resiliência e da capacidade dessas organizações de impedir retrocessos institucionais.
Ainda que as organizações de controle no
Brasil não fossem tão fortes e resilientes, qualquer quebra democrática não
prescinde de apoio da sociedade.
De acordo com Daron Acemoglu e James
Robinson em seu último livro The Narrow
Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty, para que a
democracia liberal tenha continuidade de forma intertemporal, além de um Estado
forte, uma sociedade forte seria fundamental.
De acordo com a última pesquisa do Datafolha
que investigou o apoio da população brasileira à democracia, realizada em junho
de 2020, tal apoio cresceu substancialmente no Brasil, chegando a 75%, batendo
o recorde da série histórica desde 1989. Apenas 10% da população viram a
ditadura como aceitável. Além disso, a grande maioria da população, 79%, foi
contra o fechamento do Congresso Nacional e 80% foram contra o governo censurar
jornais, TV e rádio.
Além disso, a mais recente pesquisa
da Quaest &
Genial nas eleições, realizada em agosto de 2021, revela que as
preferências e atitudes com relação a vários temas e políticas entre os
eleitores de Bolsonaro, de Lula e
de um candidato da “terceira via” não são tão diferentes e/ou
polarizadas como muitos imaginam.
Como pode ser observado na Figura 1 abaixo,
que agrupa as preferências dos eleitores em três pautas (moral, econômica e
nacionalismo/autoridade), os eleitores de Bolsonaro diferem muito pouco dos de
Lula e dos da terceira via em vários dos aspectos investigados. Chama a atenção
a similaridade de preferência dos eleitores em relação à concordância com a
prisão de jovens de 16 anos que cometeram crimes e com a responsabilização do
governo no provimento de uma saúde universal de qualidade. Também muito similar
é a oposição à legalização do aborto ou mesmo à regulamentação do comércio da
maconha.
Onde se observa maior discrepância de
preferências é em relação à pauta nacionalismo/autoridade, quando eleitores
bolsonaristas defendem maior patriotismo e oposição aos governos de Cuba e Venezuela.
Mas, mesmo entre temas que sugerem maior afinidade do eleitor com
resoluções violentas de seus conflitos, como por exemplo a “facilitação da
compra e uso de armas de fogo”, o que se verifica é que, embora os eleitores de
Bolsonaro sejam mais favoráveis do que os de Lula e os da terceira via (44%,
11% e 19%, respectivamente), essa não é a preferência da maioria dos eleitores
de Bolsonaro.
Na realidade, o que essa pesquisa revela é
que a sociedade brasileira, em especial os eleitores de Bolsonaro, é
fundamentalmente conservadora em vários aspectos, mas não necessariamente
autoritária.
Além de instituições de controle robustas,
a democracia brasileira pode dormir tranquila porque também conta com uma
sociedade avessa a saídas autoritárias.
*Professor Titular FGV Ebape, Rio
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