Folha de S. Paulo
Se não quitar os passivos do passado, o
Brasil continuará preso a uma miragem paralisante
Em 1981, Ignácio
de Loyola Brandão lançava "Não Verás País Nenhum", um livro
que descrevia um lugar desolado pela falta d'água, temperaturas sufocantes,
esgotamento dos recursos naturais e autoritarismo. Uma distopia que nos
assombra no Brasil de hoje.
Não pretendo, porém, tratar de um futuro
distópico, mas reforçar a esperança e a crença nas utopias e na capacidade
inconteste da ciência de
trabalhar a seu favor. Meu lugar de fala é o da universidade pública,
responsável majoritariamente pela produção científica do país. É por meio da
ciência que percebemos o mundo e enfrentamos os desafios de nosso tempo
—questões sociais, ambientais e econômicas de toda ordem, desde as tragédias
ambientais à preservação de florestas, rios e mares, além de estratégias para
fortalecer as instituições democráticas e garantir o desenvolvimento social e
econômico.
O sistema de ciência e tecnologia (C&T) brasileiro alcançou relevância nas últimas décadas graças aos investimentos nas universidades públicas e nos institutos de pesquisa, potencializados pelas agências de fomento federais e estaduais. Isso nos possibilitou ingressar no ranking das nações mais produtivas no campo da pesquisa.
No entanto, nos
últimos anos os orçamentos destinados a essas instituições vêm decrescendo
vertiginosamente, pondo em risco o futuro desse robusto e, paradoxalmente,
frágil ecossistema. Robusto porque congrega entes vigorosos como ministérios,
secretarias, agências de fomento, universidades e institutos de pesquisa que
cobrem diversas áreas do conhecimento. Frágil porque sem investimentos
continuados esse sistema não terá condições de propor soluções para os graves
problemas do país.
Esse sistema está numa encruzilhada.
Conseguirá ampliar sua relevância no cenário internacional ou retrocederá a
níveis incompatíveis com a dimensão das demandas com as quais o país se
defronta?
Apesar de todas as dificuldades, nosso
sistema de ciência, tecnologia e inovação deu uma resposta à altura do grande
desafio imposto pela Covid-19.
Vários especialistas sustentam que novas pandemias se avizinham. Se não
estivermos devidamente amparados, nossas universidades públicas e instituições
de pesquisa conseguirão oferecer uma resposta tão rápida e eficiente quanto à
dada no atual cenário de pandemia?
Em recente visita à nossa universidade, o
escritor Ailton Krenak nos brindou com uma reflexão, ao questionar a
dificuldade de invocar o futuro no presente. Por que tomamos o futuro como uma
parábola sobre algo que não existe, como um outro lugar? Krenak nos cobra um
compromisso real para construirmos o futuro agora, a partir do presente.
As eleições de
2022, com toda a energia social que um processo eleitoral mobiliza,
representam uma oportunidade para refletir coletivamente e começar a
(re)construir o projeto de nação que queremos, com a valorização da ciência e
das universidades. O investimento em educação, ciência e tecnologia tem de
ocupar lugar central nas agendas das candidaturas majoritárias e das bancadas
parlamentares.
O Brasil sempre foi tido como o país do
futuro, mas se não quitar os passivos do passado que persistem no presente,
investindo na melhoria de vida de sua população, na equidade social e
econômica, na justiça social e na democratização do acesso à educação e à
saúde, continuará preso a uma miragem paralisante. Sem ciência, não veremos
país nenhum.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
Um comentário:
Li o livro do Ignácio de Loyola Brandão faz pouco tempo.
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