quinta-feira, 20 de abril de 2023

Míriam Leitão - Avanço fiscal e o sinal amarelo

O Globo

O problema que pesou no mercado foi, de um lado, a avaliação apressada de alguns pontos das novas regras e, de outro, a sensação de que revogar subsídios será uma tarefa difícil

No princípio, não havia nada, exceto o aviso do presidente Lula de que eliminaria o teto de gastos. Neste abril, quarto mês desde a posse, o governo tem uma proposta de disciplinar o crescimento dos gastos sempre abaixo da alta das receitas tramitando no Congresso, com perspectiva de aprovação rápida. Entre um ponto e outro, houve muita costura política interna e externa do ministro Fernando Haddad e de toda a equipe econômica. E a elaboração de uma proposta técnica que não tem algumas das irracionalidades da antiga regra fiscal e tem várias qualidades.

O teto de gastos, como disse a ministra Simone Tebet, “ruiu” e “caiu em cima da nossa casa”. Foi muitas vezes desrespeitado pelo governo anterior. Uma das críticas no mercado financeiro é de que a nova regra de gastos eliminou o contingenciamento e a punição para o governante que descumprir os limites, que há na Lei de Responsabilidade Fiscal.

A LRF impõe até a perda de mandato. A presidente Dilma enfrentou entre as acusações que a levaram ao impeachment o fato de ter usado bancos públicos para pagamento de despesas orçamentárias, o que é proibido pela LRF e, desta forma, “pedalado” despesas. Será que os jovens economistas do mercado financeiro entenderam o que aconteceu no país no governo Bolsonaro?

O ex-presidente, junto ao seu ministro liberal Paulo Guedes, jogou para os governos seguintes o pagamento de precatórios. Rolou uma grande parte da dívida e isso virou uma bola de neve. O que Bolsonaro fez foi calote e foi também descumprimento da LRF, que impede empurrar despesas para os governos seguintes. E ficou impune. Bolsonaro cometeu outros crimes, gravíssimos. O principal deles foi o atentado contra a democracia, mas também desrespeitou a LRF. E ficou por isso mesmo.

Está escrito no texto do projeto que a Lei Complementar do novo regime fiscal “não afasta as limitações e as condicionantes para geração de despesa e renúncia de receita estabelecidas na Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000”. A 101 é a LRF.

Foram feitas críticas às exceções. São 13. Mas várias delas são princípios que estão na Constituição e que, por óbvio, não podem ser modificados por lei complementar. Há exceções para as despesas que forem cobertas por receitas próprias das universidades e doações para o Meio Ambiente. Isso corrige um erro crasso do teto de gastos.

Há preocupações procedentes. O cálculo da receita real, na visão de um especialista, não é a forma técnica mais correta de fazer essa apuração. É preciso ficar de olho nos aportes do Tesouro nas estatais não financeiras, porque isso ficou fora do limite fiscal. Foi resultado de um debate interno acirrado, com a área econômica querendo colocar todos os aportes em estatais dentro dos limites, e a ala política querendo deixar tudo fora. Fechou-se no meio termo. Deixar os bancos públicos dentro dos controles da nova regra fiscal e deixar de fora as outras estatais. Aí que mora o pior perigo. O BNDES, no passado, recebeu aquela exorbitância de transferências do Tesouro — que a atual diretoria do banco gosta de dizer que a instituição pagou quase toda, e com juros — e o rombo da Caixa que exigia um aporte de R$ 10 bi. Acabou não sendo feito porque, no governo Temer, a secretária do Tesouro Ana Paula Vescovi conduziu um duro ajuste na instituição. Mas o rombo nasceu do uso político da Caixa no governo PT. Aliás, o governo Bolsonaro fez também uso político da Caixa.

O problema que pesou ontem no mercado, elevando o dólar foi, de um lado, a avaliação apressada de alguns pontos do arcabouço, de outro, a sensação de que combater a sonegação e revogar os subsídios será muito mais difícil do que imagina o ministro Fernando Haddad. O caso da isenção dos US$ 50 dos portais das varejistas asiáticas mostrou um processo decisório tortuoso dentro do governo, com interferências totalmente estrangeiras à área econômica. Não foi pelos US$ 50 da isenção, que acabou mantida, mas pelas pressões palacianas que levaram à decisão do recuo do governo.

O caminho do combate à sonegação e da redução das renúncias fiscais é, como já disse aqui, muito pedregoso. Houve uma reunião no Palácio para discutir arcabouço na qual 80% do tempo se falou dessas compras on-line e da impopularidade nas redes sociais. Isso acendeu uma luz amarela em quem acompanha a economia brasileira. Haddad precisará virar esse jogo.

 

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