quinta-feira, 20 de abril de 2023

William Waack - A hora do passado

O Estado de S. Paulo

O presidente não conseguiu ainda criar uma visão de futuro

Lula não parece perceber que se refugiar no passado tem sido prejudicial para ele mesmo. Justo quando tem de enfrentar desgastes de popularidade que aumentam dificuldades políticas – ampliadas pela demissão do amigo do peito de Lula que era o chefe do GSI, que apareceu parecendo acolher invasores do palácio que devia proteger.

Com ou sem esse episódio, o desgaste é típico para qualquer governo em início de mandato, mas, por instinto ou falta de melhores ideias, Lula parece acreditar que sua melhor chance de resistir ao inevitável (diminuição inicial do capital político) é o apego ao passado. E, diga-se de passagem, o general defenestrado vem do longínquo passado, ainda do primeiro mandato.

A ideia de promover crescimento, via gastos públicos, vem lá de trás. É o pressuposto básico que ele impôs ao desenho do arcabouço fiscal, que é retrato do seu arcabouço mental.

A “visão” de Lula está amparada num dado empírico: a sociedade não “valida” cortes de gastos. Ela está apegada ao consenso de que os gastos precisam sempre subir – afirmar que não há mais capacidade de financiálos é conversa de neoliberal.

Vem também lá de trás a noção de que “movimentos sociais” ou “de base” dão a fundamental sustentação política de seu governo. O mais recente símbolo é a inclusão do chefão do MST no séquito imperial que visitou a China, algo “natural” para alguém, como Lula, que regrediu rumo à falsa (e velha) dicotomia entre agricultura familiar e agroindústria.

Assim como está profundamente enraizada no passado a ideia de que a ordem internacional é “injusta” para os pobres (o Sul), pois é imposta por potência imperialista rica (EUA). Que diz defender “democracia” quando defende apenas seus interesses.

Ao contrário do que disseram a Lula, o País chegou, sim, ao limite da capacidade de financiar crescimento real de gastos.

Ao contrário do que ele acredita, sua base de sustentação depende de variada segmentação de eleitores – na qual fatores como religião, valores como empreendedorismo e indignação com corrupção têm mais peso do que os antigos movimentos sindicais ou “sociais”.

E, em oposição ao que ele pensa, o grave risco de segurança para a ordem internacional não está na predominância dos EUA e países ocidentais mas, sim, no “revisionismo” dela por parte de autocracias fundamentalmente opostas a princípios de um universo de valores do qual o Brasil faz parte.

Para destravar a economia, garantir sustentação política sólida e explorar as oportunidades que surgem para o Brasil lá fora, Lula precisaria de uma visão de futuro. Mas ele tem preferido mergulhar no passado.

 

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