Valor Econômico
Se o relatório mostra as digitais golpistas das autoridades sob uma realidade paralela capaz de mobilizar boa parte dos 58 milhões de eleitores de Bolsonaro, é no bolso dos brasileiros que o efeito concreto do pacote se fará sentir
As 884 páginas produzidas pela Polícia
Federal dão ainda maior responsabilidade ao pacote fiscal do governo. Se o
relatório mostra as digitais das principais autoridades da República em ações
concretas pela abolição do Estado de Direito sob uma realidade paralela capaz
de mobilizar boa parte dos 58 milhões de eleitores de Jair Bolsonaro, é no
bolso dos brasileiros, para além dos 60 milhões que votaram no presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, que os efeitos concretos do pacote fiscal se farão
sentir.
O conjunto de mensagens, depoimentos, documentos e registros de entrada e saída nos palácios do Planalto e da Alvorada permite divisar com mais clareza o rumo a ser percorrido pelo inquérito até a prisão do ex-presidente. Colocá-lo atrás das grades vai elevar o custo do golpismo. Se a cultura democrática do país não se mostra capaz de se impor por suas virtudes, que o seja pela ameaça a quem a afronta.
Isso não significa, porém, que o apelo contra
as iniquidades das quais a extrema-direita se fez portadora, sob grande
ilusionismo digital, tenha morrido. É sobre esse terreno que se move o pacote
fiscal. Necessário para atrair o investimento de que se precisa para desatolar
o crescimento, o pacote enfrentará a batalha da comunicação num ambiente
digital ainda maculado.
Mas não apenas. Enfrentará também a
capacidade de setores aquinhoados, como o Judiciário, de se manter alheio ao
sacrifício geral da nação. Foi este o sinal que o Superior Tribunal de Justiça
e o Tribunal Superior do Trabalho passaram ao aprovar a recriação do quinquênio
retroativo a 2006. Não se relacionam com o inquérito golpista, mas a ação
atenta contra a legitimidade da Corte Suprema de proceder ao julgamento daquele
que foi a opção de voto de meio país.
A farra dos quinquênios, contra a qual o
Ministério Público de Contas se insurgiu nesta quarta, permite ainda que a
chamada “família militar”, a ser atingida pelo pacote fiscal, lave a vergonha
do golpismo apelando à velha rivalidade com a toga.
Por todas essas razões, o relatório é
didático. Sua leitura seria útil a todos os que se dispuserem à batalha
política e ideológica deste divisor de águas que é pacote fiscal. O conjunto de
indícios e provas mostra que a avalanche de notícias falsas que embalou o
golpismo não foi produzido para a plateia. Era consumida pelos próprios
golpistas - e continua sendo.
Se o sacrifício exigido pelo pacote for, de
fato, bem distribuído, servirá à realização do programa de governo prometido.
Quem traiu o país foram aqueles que planejaram usar fuzis, lança-granadas,
blindados e veneno para liquidar um governo eleito sob a alegação de uma fraude
nas urnas que os próprios técnicos contratados pelo PL disseram não ter
existido.
O golpismo derrotado é aquele capaz de
articular a seguinte teoria da conspiração: em 2010 a Lenovo (chinesa) comprou
a Positivo, que, dez anos depois, ganhou a licitação para fornecer as urnas
eletrônicas. Como o Itaú é acionista da Positivo e Neca Setubal apoia Marina
Silva, a eleição foi roubada.
Como se a concorrência deste enredo já não
fosse demasiada para o mais criativo dos dramaturgos, um coronel desta
conspiração foi indicado pelo Alto Comando do Exército, o mesmo que barrou o
golpe, para ser o adido militar do Brasil em Israel, cujo exército empreende a
mais cruel das guerras.
O governo que tem sua política de segurança
pública permanentemente alvejada foi acusado por um general golpista de levar o
PCC e o MST para se infiltrar no acampamento em frente ao Quartel General do
Exército. Mas foi um capitão da Polícia Militar de São Paulo que foi preso na
terça-feira, pela PF, acusado por lavagem de dinheiro do crime organizado
enquanto trabalhava na segurança do governador Tarcísio de Freitas, defensor
dos golpistas.
A iminência da posse de Donald Trump não
apenas tornou o pacote fiscal mais urgente como também se tornou a última
esperança dos golpistas. Os advogados de Filipe Martins, que compôs o núcleo do
golpismo, já estiveram com o senador Marco Rubio, indicado para a Secretaria de
Estado, para tratar da suspeita de que houve falsificação do registro de sua
entrada nos EUA no fim de 2022 pelo serviço de imigração.
Pretendem mobilizar o futuro governo Trump
contra as prováveis condenações dos golpistas sob a alegação de que Joe Biden
promoveu o insucesso de Bolsonaro. É o mesmo argumento a ser usado em relação à
pressão de autoridades americanas em defesa da institucionalidade no Brasil. Ao
longo de 2022, estiveram no Brasil com esta missão o secretário de Defesa Lloyd
Austin, a general Laura Richardson, do Comando Sul das Forças Armadas, o chefe
da CIA, William Burns, e o secretário de Segurança Nacional, Jake Sullivan.
Parece improvável que consigam emplacar, mas,
a julgar pelo relatório da obra, não dá para duvidar de mais nada. É a partir
dele também, que se conhece a atuação de um dos personagens mais inacreditáveis
da trama, o padre da diocese de Osasco (SP), José Eduardo Oliveira e Silva,
ativo colaborador na redação da minuta golpista.
Numa mensagem de WhatsApp, o padre define o
que está em jogo na hesitação de Bolsonaro: “Se ele não fizer isso, ele vai se
F e o povo também vai se F; se ele fizer isso, ele não vai se F, mas o povo vai
se F e, depois, vai F ele; se ele fizer o que tem que fazer, ele não vai se F e
o povo não vai se F, mas depois vão F ele do mesmo jeito”. Guardado o devido
decoro, é isso também que está em jogo no pacote fiscal.
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