quinta-feira, 28 de novembro de 2024

O golpe durou o governo inteiro – Míriam Leitão

O Globo

A mentira era o primeiro pilar. O alvo era minar a confiança na democracia, fabricar o ‘clamor popular’ e legitimar o golpe

Não foi um governo. Foi uma conspiração que durou um mandato. Começou em 2019 e a arma inicial foi a mentira. Durante todos os quatro anos a mentira foi usada como método. O objetivo era sedimentar a ideia, por repetição, de que o sistema eleitoral era fraudado e, assim, minar a confiança na democracia. A partir daí seus atos pareceriam legítimos. Os desdobramentos foram sendo escritos mas eram previsíveis. Cercar-se de militares, cortejar as Forças Armadas, especialmente o “meu Exército”.

Escolher alvos que seriam atacados tanto pelo então presidente da República, quanto pela milícia digital para o desmonte institucional. Por fim levar seguidores para Brasília, produzir o “clamor popular de 64”.

O relatório da Polícia Federal ajuda a entender a força da mentira. “O grupo investigado criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação”, diz a PF, no início do documento. E isso começou com Bolsonaro dizendo que houve fraude na eleição que ele ganhou. “O objetivo era sedimentar na população a falsa realidade”, para depois “ser utilizada como fundamento dos atos”.

Foi para isso que se criou a milícia digital, o gabinete do ódio. Não era apenas para hostilizar as pessoas que eles consideravam inimigos. A milícia escolheu alvos e os atacou por quatro anos. Mas o principal era o sistema eleitoral. “ Os produtores de dados falsos difundiram em alto volume, por multicanais, de forma rápida, contínua e repetitiva” a ideia de que houve fraude em 2018 e haveria em 2022.

“Por mais inverossímil que possa parecer” ela foi repetida para atingir o “público alvo”. E por que repetir tanto? “A repetição maçante das informações, mesmo que falsas, leva à familiaridade, e a familiaridade leva à aceitação.” Para completar, “os investigados fizeram uso de pessoas com posição de autoridade perante o público alvo”.

A rede da mentira era o pilar de tudo o que se seguiu depois. A trama se espalhou em núcleos e propósitos. Tudo sob o comando do beneficiário maior: Jair Bolsonaro, o homem que sempre sonhou com uma nova ditadura. O governo passou a funcionar em torno disso.

A Abin de Alexandre Ramagem não fazia inteligência de Estado. Ajudava na fabricação de mentiras. O GSI, do notório general Heleno, remanescente da linha dura do governo militar, também. Chefe da Casa Civil, depois ministro da Defesa, Braga Netto era o lugar-tenente do conspirador em chefe. Foi usado como peça chave, em 2021, quando Bolsonaro demitiu o Ministro da Defesa Fernando Azevedo e todos os comandantes. Ali, Bolsonaro achou que havia dado o golpe de mestre, escolhendo os que levariam as tropas.

O plano falhou. Há várias razões. Mas veja que, se o general Braga Netto tivesse permanecido ministro da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira é que estaria no comando do Exército. O general Paulo Sérgio não só participou, como convocou uma reunião com os comandantes no dia 14 de dezembro para mostrar a minuta do golpe. Numa instituição baseada na hierarquia, o que aconteceria se o comandante do Exército dissesse sim?

No dia 5 de março, eu contei na minha coluna que os depoimentos dos ex-comandantes Freire Gomes e Baptista Jr haviam implicado diretamente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. Disse que também Paulo Sérgio havia mostrado a minuta aos comandantes.

“É depoimento, mas está comprovado pela apreensão que foi feita”, me disse minha fonte na época. Contei que o general e o brigadeiro deram detalhes que preencheram lacunas. “E as peças foram se encaixando, como num quebra-cabeças”, me disse a fonte.

O relatório da PF é um imenso quebra-cabeças em que tudo se encaixa. Há provas robustas. Falas recuperadas, documentos apreendidos, reuniões gravadas, captura da presença dos indiciados nos locais e horas dos eventos. Além do decreto do golpe, em várias versões, havia o plano homicida “Punhal Verde e Amarelo”, a estrutura do gabinete de gestão de crise e a minuta 142. Os golpistas redigiram, discutiram, guardaram cópias e a Polícia Federal encontrou.

A ordem de Braga Netto para que a milícia digital atacasse Freire Gomes e Batista Jr. mostra como a mentira era uma arma. Os golpistas queriam neutralizar os obstáculos. Até o dia em que “neutralizar” significava matar. A mentira foi a primeira pedra no tabuleiro do horror que Bolsonaro e seus ajudantes tentaram impor ao país.

5 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

O pior é que é tudo verdade!

Gira Mundo disse...

Na história do Brasil teve muitos golpes de Estado.

Gira Mundo disse...

Na história do Brasil teve muitos golpes de Estado.

Anônimo disse...

Texto perfeito! De mentira em mentira, de ataque em ataque às instituições, Bolsonaro semeou e plantou seu projeto de golpe, que durou todo seu mandato, mas só foi executado quando o canalha COVARDE já estava longe do país e não corria risco de ser preso. Demorou, mas o golpista será finalmente JULGADO!

Anônimo disse...

Miriam Leitão vou sugerir a próxima pauta
A venda da maior jazida de urânio e de terras raras do Brasil , localizada na Amazônia para China na calada da noite , sem nenhuma discussão
O Lula está entregando o Brasil para o chineses , isso é um plano antigo
E a imprensa não fala nada , por favor comente Miriam