Lula deve ao país programa urgente de controle de gastos
O Globo
Ao procrastinar apresentação de medidas
sugeridas por Haddad, ele só contribui para semear mais incerteza
Passada uma semana de debates sobre o pacote
de controle de gastos prometido pelo governo, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva continua a demonstrar resistência. Não faltam estudos e simulações feitas
pelas equipes dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento,
Simone Tebet. Lula já dispõe faz tempo de todas as informações necessárias para
tomar decisões. Infelizmente, continua a procrastinar. Promoveu uma romaria de
ministros ao Planalto, sabendo que ninguém abriria mão do próprio orçamento.
Com isso, só contribui para semear ainda mais incerteza e corroer o que ainda
resta da credibilidade de seu governo diante dos agentes econômicos.
Os ministros se esmeram no festival de lamúrias e populismo. Luiz Marinho, do Trabalho, ameaçou pedir demissão, buscou apoio das centrais sindicais e bateu pé contra mudanças sugeridas para seguro-desemprego e abono salarial. Outro a falar em deixar o governo foi Carlos Lupi, da Previdência. Wellington Dias, do Desenvolvimento Social, negou mudanças no Bolsa Família— que jamais foram cogitadas — e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a deficientes e idosos de baixa renda. Os titulares da Saúde (Nísia Trindade) e da Educação (Camilo Santana) também se encarregaram de deixar claro que resistirão a cortes em suas pastas.
O que anima essa mobilização, além do espaço
aberto por Lula, é o equívoco fundamental que amaldiçoa as gestões petistas: a
confusão entre melhoria na qualidade do gasto público e malefícios aos pobres e
desassistidos. Nenhuma das propostas sobre a mesa defende cortes descabidos na
proteção a trabalhadores, nos sistemas de aposentadorias e pensões, em
programas sociais ou nos investimentos em Saúde e Educação. A ideia é trazer um
mínimo de racionalidade às despesas, para evitar desperdício. É o caso de gastos
ineficazes (abono salarial), da duplicidade entre seguro-desemprego e FGTS, dos
reajustes acima da inflação para o BPC ou do crescimento descontrolado das
despesas obrigatórias (resultado da vinculação constitucional de gastos com
Saúde e Educação).
É evidente que será impossível superar todos
esses desafios simultaneamente, mas não passa de hipocrisia negar-se a encarar
a necessidade de diminuir despesas empunhando a bandeira da defesa dos pobres.
Nada pune tanto a população desassistida quanto o descontrole fiscal, que
aumenta a incerteza, pressiona a inflação e força o Banco Central a aumentar os
juros, inibindo investimentos, a geração de empregos e o crescimento da
economia e da renda.
A História mostra que a conta da
irresponsabilidade fiscal é sempre paga pelos mais pobres e pelos trabalhadores
— lição que já deveria ter sido aprendida. Desde 2010, a produtividade no
Brasil cresceu mísero 0,3% ao ano. Somente na década perdida dos anos 1980 o
desempenho foi pior. De 2010 a 2023, a renda per capita se expandiu apenas 0,2%
anual. É uma tragédia, algo que todos os ministros de Lula deveriam lembrar
todo dia ao acordar. Nesse ritmo, o brasileiro só dobrará de padrão de vida
daqui a 344 anos. Será que interessa mesmo aos mais pobres manter o
desequilíbrio das contas
públicas? Lula precisa parar de procrastinar. Ele deve ao país, com
urgência, uma resposta à necessidade de controlar gastos.
Ao reiterar a vacinação obrigatória contra
Covid, Supremo preserva saúde
O Globo
Corte derrubou lei de Uberlândia que proibia
a aplicação de sanções a quem recusasse a vacina
Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF)
derrubou uma lei de Uberlândia
(MG) que acabava com a obrigatoriedade da vacina contra
a Covid-19 para crianças e grupos vulneráveis e proibia a aplicação de sanções
a quem não se vacinasse. O caso traz mais uma oportunidade para reafirmar
princípios básicos sobre o respeito às liberdades individuais e a proteção à
saúde pública.
Ao longo da pandemia, grupos negacionistas
reivindicavam o direito a recusar a vacinação com base em dois argumentos
falhos. Primeiro: afirmar que as vacinas não eram seguras. Segundo: dizer que a
liberdade individual assegurada na Constituição garante a cada um autonomia
sobre o próprio corpo, portanto para decidir se quer tomar vacina ou vacinar os
próprios filhos.
O primeiro argumento é simplesmente uma
mentira. Dezenas de estudos científicos, publicados pelas melhores revistas
médicas do mundo, avaliaram os riscos e comprovaram que as vacinas compradas
pelo Ministério da Saúde são não apenas seguras, mas eficazes, como demonstram
milhões de doses aplicadas até hoje, permitindo que o Brasil retomasse a
normalidade após o caos da pandemia. Não há motivo para temê-las, a não ser
quando se dá crédito a informações descabidas sobre raríssimos efeitos
adversos, que circulam nas redes sociais.
O segundo argumento é mais sofisticado, mas
não passa de uma falácia. “Estamos discutindo a tese esdrúxula e absurda de que
uma pessoa tem o direito fundamental de transmitir doença às demais”, afirmou
em seu voto o ministro Flávio Dino. Não há nenhuma justificativa ética para um
indivíduo não se vacinar contra uma doença contagiosa. A liberdade individual,
como tão bem descreveu Dino, se encerra no exato momento em que se choca com o
direito coletivo à saúde.
Como Dino, todos os demais ministros seguiram
o voto do presidente, Luís Roberto Barroso. Ele ressaltou que o STF já
referendara a vacinação obrigatória nos termos da lei (para os grupos indicados
no calendário do Ministério da Saúde), impedindo apenas a imunização forçada,
por meio de medidas invasivas, aflitivas ou coercivas. Para Barroso, a lei de
Uberlândia — aprovada em 2022 e suspensa desde o ano passado por liminar —
ignorava os parâmetros estabelecidos pelo STF, além de contrariar o consenso
médico-científico sobre a importância da vacina para reduzir risco de contágio.
“Ao argumento de proteger a liberdade daqueles que decidem não se vacinar, na
prática a lei coloca em risco a proteção da saúde coletiva”, disse.
Somente neste ano, a Covid-19 matou mais de
5.400 brasileiros. Desde 2020, centenas de milhares perderam a vida para a
doença (o número oficial, 714 mil, é conservador diante do impacto da
pandemia). O controle da doença exige vacinação maciça. Do contrário, o vírus
continua causando estrago. O que se deveria discutir é como aumentar os índices
ainda insuficientes de vacinação, e não como dificultá-la ainda mais.
Risco de inflação com crescimento pífio pela
frente
Folha de S. Paulo
Mesmo após ruína produzida por Dilma, petista
ainda alimenta ilusão de que pode ampliar gastos sem sofrer consequências
A persistente
alta da inflação,
mesmo diante de juros escorchantes,
é sinal claro de que a política econômica do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
é insustentável e precisa de
ajuste urgente.
É inescapável encarar um
ajuste do Orçamento federal, esforço que vem sendo publicamente
conduzido pelo ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, até agora sem sucesso devido à resistência de Lula e seu
partido, que continuam presos ao populismo e à crença pueril de que o gasto
público é o caminho da prosperidade —e da popularidade.
Espanta que a esta altura, em seu terceiro
mandato no Planalto, o presidente da República, que viveu sob inflação alta e
testemunhou o enorme dano que ela causa sobretudo aos mais pobres, ainda
sustente tais ilusões. Nem mesmo a ruína social produzida pela
correligionária Dilma
Rousseff parece ter deixado lições.
Os repetidos adiamentos do prometido pacote
de controle das despesas obrigatórias, sem o qual a regra fiscal criada pelo
próprio governo petista não se sustentará, não autorizam otimismo. Enquanto o
mandatário não se decide, a realidade vai se impondo e acabará decidindo por
ele, não sem danos para o país.
A última
leitura do IPCA, relativa a outubro, mostra alta da inflação
acumulada em 12 meses para 4,76% —acima do intervalo de 1,5 ponto percentual ao
redor da meta oficial de 3%. Na trajetória atual, o índice de preços pode
fechar o ano acima de 5%.
As tendências econômicas são preocupantes.
O dólar em
alta eleva os preços de matérias-primas, inclusive alimentos, que subiram 6,65%
nos 12 meses até outubro. Também se
agrava a carestia de caráter mais persistente, como no setor de
serviços, que em certas medições já sobe em taxa entre 5% e 6% ao ano.
Além de choques conjunturais, a pressão maior
sobre os preços é umbilicalmente ligada ao excesso de gastos do governo, que
impulsiona a demanda além da capacidade produtiva e fragiliza as contas do
Tesouro Nacional.
A desconfiança quanto à trajetória da dívida
pública desvaloriza o real e eleva os juros. Na quarta-feira (6) o Comitê de
Política Monetária subiu a taxa Selic em
0,5 ponto percentual para 11,25% ao ano,
e as projeções de mercado apontam para um pico superior a 13% nos próximos
meses.
Não tardará para que o arrocho monetário
forçado pela imprevidência do governo asfixie empresas e famílias. O pior
cenário é novamente o país ser aprisionado na nefasta combinação de inflação e
recessão.
A agenda petista até aqui se resumiu a elevar
impostos —em alguns casos corretamente, como na cobrança sobre os mais ricos e
o fechamento das brechas que levam a abusos de planejamento tributário por
empresas.
Não é mais possível persistir apenas nesse
rumo. Se Lula não aceitar um programa crível de controle de gastos,
vislumbra-se deterioração econômica continuada no restante de sua gestão.
Crise política na Alemanha acentua tensão
global
Folha de S. Paulo
Colapso da coalizão que sustenta Olaf Scholz
deixa em aberto os rumos para a economia alemã e a segurança europeia
Sustentáculo do governo da Alemanha desde
2021, a coalizão de centro-esquerda não poderia ter implodido em pior momento.
A crise
política instalada em Berlim nos
últimos dias adiciona tensões à economia e geopolítica mundiais, já estressadas
pela vitória de Donald Trump nos Estados
Unidos.
O chanceler alemão, Olaf Scholz,
manejava há semanas a preservação do Semáforo, como a coalizão de
sociais-democratas, liberais e verdes é conhecida. Contudo, na quarta-feira
(6), suas negociações em torno do Orçamento de 2025 com Christian Lindner,
ministro das Finanças e líder do partido liberal FDP, colapsaram e culminaram na
demissão do auxiliar.
Scholz lidera agora um precário governo social-democrata, com apoio minoritário
no Parlamento. A instabilidade política compromete sua perspectiva de manter-se
no poder até janeiro, quando sua gestão, em tese, será submetida a voto de
confiança.
Com a saída de Lindner, restou-lhe apenas o apoio dos verdes, insuficiente para
enfrentar a oposição
majoritária, liderada pela União Democrática Cristã (UDC). Scholz
defenderá em desvantagem a peça orçamentária que, por ora, preservou dos cortes
as áreas social e ambiental exigidos pelo ex-ministro.
A demissão antecipou para março as eleições
gerais, antes marcadas para setembro de 2025. A mudança acentua a preocupação
com o desempenho nas urnas da ultradireita, em especial da Alternativa para a
Alemanha (AfD).
Pesquisas apontam avanços da UDC e dos
extremistas no eleitorado. Prever um futuro governo democrata-cristão, com a
AfD em sua base de apoio no Parlamento e presente no gabinete, deixa de ser
hipótese remota.
A instabilidade doméstica certamente afetará
as mais relevantes agendas de Scholz, se conseguir sobrevida até janeiro.
Preservar sua visão fiscal expansionista, como meio de contornar a estagnação
econômica, torna-se tão improvável quanto manter seu projeto de investimento em
defesa de apoio militar à Ucrânia.
Da mesma forma, a fragilidade do chanceler
entorpece a preparação da Alemanha —e por extensão da União Europeia—
à agenda protecionista a ser adotada pela Casa Branca sob Trump.
O desmonte da coalizão alemã e o possível fim
do governo são preocupantes. Em um mundo despreparado para a caótica agenda de
Trump, a Alemanha seria um interlocutor confiável e racional para a discussão
dos grandes temas globais. Com a crise política, está em aberto o papel que
Berlim desempenhará.
Sob o domínio do crime
O Estado de S. Paulo
Ação do PCC para matar desafeto à luz do dia
no Aeroporto de Guarulhos não foi ‘apenas’ um recado a futuros colaboradores da
Justiça. Foi um desafio insolente às forças do Estado
Em plena tarde da última sexta-feira, dois
homens suspeitos de ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC) saltaram de
um carro no desembarque do Terminal 2 do Aeroporto de Guarulhos, na Região
Metropolitana de São Paulo, e abriram fogo contra o empresário Antonio Vinicius
Lopes Gritzbach, que morreu na hora. Ao menos 27 tiros de fuzil foram
disparados pelos criminosos contra a vítima, sinal mais que evidente de
execução. Outras três pessoas ficaram feridas. Por milagre, sorte ou seja lá o
nome que se queira dar, não houve mais mortes sob essa saraivada de balas em um
horário de grande movimento no aeroporto.
Quem põe em marcha uma operação tão afrontosa
ao Estado como essa demonstra, no mínimo, boa segurança na impunidade.
Gritzbach havia firmado acordo de colaboração premiada com o Ministério Público
de São Paulo (MP-SP), homologado pela Justiça, pelo qual revelou minúcias de um
milionário esquema de lavagem de dinheiro do PCC, do qual participou, além do
suposto envolvimento de policiais civis e militares com as ações do bando.
Tratava-se, portanto, de um homem marcado para morrer. Consta que o PCC havia estipulado
uma recompensa de R$ 3 milhões para quem matasse o “dedo-duro”.
Gravíssimo por si só, esse audacioso crime
praticado à luz do dia no maior aeroporto do País, e às vésperas da cúpula do
G-20, deixa em aberto uma série de questões capazes de sobressaltar até o mais
sossegado dos cidadãos. A primeira delas é elementar: como um colaborador da
Justiça desse nível, tendo delatado o que e quem delatou, circulava sem a
proteção do Estado? Há notícia de que ao menos quatro policiais militares foram
contratados por Gritzbach para servirem como seus seguranças “particulares”. O Estadão apurou
que três deles não estavam no aeroporto no momento do crime. A Polícia Civil
apreendeu os celulares dos quatro agentes para investigação.
Também há que esclarecer como a informação de
que Gritzbach desembarcaria naquele dia e horário em Guarulhos chegou aos seus
assassinos. A vítima já havia sofrido tentativas de homicídio antes em razão da
colaboração premiada e pela suspeita de ter sido o mandante da execução de
Anselmo Bechelli Santa Fausta, vulgo “Cara Preta”, um dos líderes do PCC, e do
segurança deste, Antônio Corona Neto, o “Sem Sangue”. Que o PCC dispõe de meios
para monitorar os passos daqueles contra os quais deseja se vingar, não há a
menor dúvida. Mas não se pode descartar que a informação sobre o paradeiro de
Gritzbach, sobretudo tendo em vista a vultosa recompensa oferecida por sua
morte, tenha partido de agentes públicos que tinham ciência dos termos do
acordo de colaboração e/ou detalhes da rotina do empresário.
Espera-se que essas, entre outras questões,
sejam esclarecidas após uma minuciosa e diligente investigação. Mas é
perfeitamente possível dizer que o Estado já falhou ao não evitar que um crime
como esse tenha acontecido onde e como aconteceu. Surgido como um bando miúdo
no interior de um presídio em Taubaté (SP), no Vale do Paraíba, o PCC só
adquiriu tanto poder bélico e financeiro ao longo dos últimos 30 anos porque
pôde contar com a leniência das autoridades policiais e judiciárias, no cenário
mais benevolente, ou com seu compadrio remunerado, no pior.
Esse terrível crime praticado à luz do dia
não foi “apenas”, por assim dizer, um crime contra um colaborador da Justiça.
Foi um recado a todos os que ousarem desafiar o poder do PCC em futuros acordos
de colaboração e, principalmente, um insolente desafio ao Estado. A um só
tempo, a ação, tão audaciosa quanto cinematográfica, desmoralizou a ordem
pública e as forças de segurança. O governo de São Paulo tem o dever de
combater essa banalização da violência e da vingança pelas próprias mãos de
criminosos do PCC, cada vez mais seguros de si. O descaso diante desse crime
não só ameaça a segurança da população, de outras testemunhas e colaboradores,
como fragiliza o tecido social, minando a confiança dos cidadãos na capacidade
do Estado, como detentor do monopólio da violência, de garantir sua proteção.
Inflação mais alta e mais disseminada
O Estado de S. Paulo
IPCA supera teto da meta no acumulado em 12
meses em outubro e espalhamento da alta de preços traz alerta. Cabe ao governo
fazer sua parte e entregar o prometido pacote fiscal
A apuração do IPCA de outubro, além de
confirmar a tendência de estouro da meta inflacionária neste ano, mostrou que a
escalada de preços está ocorrendo de forma mais intensa e disseminada do que o
previsto. O alerta embutido na piora do comportamento dos preços é de que o
ritmo de alta dos juros tende também a acelerar – como, aliás, ocorreu na
recente decisão do Comitê de Política Monetária (Copom). Se o governo não
apresentar de imediato medidas capazes de contrabalançar expectativas, deverá
se defrontar com uma política monetária ainda mais restritiva.
O mercado esperava avanço de 0,54% no IPCA de
outubro, de acordo com a mediana das projeções coletadas pelo Broadcast,
serviço de informações financeiras do Estadão. A alta de 0,56% no mês,
como divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), levou a
taxa a acumular 4,76% em 12 meses, 1,76 ponto porcentual (p.p.) acima do centro
da meta de 3% fixada para este ano e 0,26 p.p. além do limite máximo tolerado,
um cenário difícil de ser revertido nas poucas semanas que faltam para o
fechamento do ano.
Foi o segundo estouro de 2024 no acumulado em
12 meses. O primeiro foi em janeiro, com 4,51%, mas houve em seguida uma série
de quedas até maio, quando a taxa acumulada voltou a subir. Em nenhum mês do
ano o acumulado do IPCA se manteve no centro da meta. É certo que muitos
fatores que contribuem para o desempenho da inflação independem de motivos
internos, como a geopolítica mundial, os efeitos climáticos e a oscilação de
preços das commodities. Mas fatores domésticos têm peso significativo, e a
disposição do governo em buscar e manter o equilíbrio das contas públicas
talvez seja o mais importante deles.
Dito isso, o governo Lula da Silva está
devendo ao País o convencimento de seu compromisso com o orçamento fiscal. Mas
o adiamento injustificável do pacote de cortes de gastos diz justamente o
contrário, assim como alguns sinais despropositados emitidos pelo governo.
Chamou a atenção, por exemplo, notícia atribuída ao Ministério das Minas e
Energia (MME) dois dias antes da divulgação do IPCA dando como certo que, em
dezembro, a bandeira tarifária de energia elétrica será verde.
Talvez por coincidência o aumento no serviço
de energia elétrica foi isoladamente o que mais pesou no IPCA. A alta foi de
4,74% em outubro, mês em que vigorou a bandeira vermelha patamar 2, o mais
alto. Os sinais emitidos pelo MME davam conta que em dezembro o período de
chuvas tornará desnecessária qualquer cobrança adicional. Todos os consumidores
esperam que seja assim, de fato, mas isso não é tão óbvio. Desde que o sistema
de bandeiras tarifárias foi iniciado, em 2015, por quatro vezes em dezembro ela
permaneceu verde, sem cobrança; em outras quatro o adicional foi mais alto
(vermelhas 1 e 2 e escassez hídrica), e uma vez, em 2019, a bandeira foi
amarela em dezembro.
Diante de um cenário climático caótico, é
difícil prever o que ocorrerá no fim deste ano. Ademais, a definição da
bandeira tarifária cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), com a
análise de parâmetros hídricos específicos, e não ao MME, que vem travando uma
briga de foice com o órgão regulador. A retirada do adicional em dezembro, se
ocorrer, por certo trará alívio inflacionário, mas não pode vir à custa da
segurança energética.
Intervenções desnecessárias como esta são
constantes e aumentam a percepção de que no governo Lula há uma crença
generalizada de que qualquer condição pode ser criada artificialmente para se
chegar ao objetivo desejado. Se o governo quer aumentar o crédito e o consumo,
que o Banco Central baixe os juros; se quer elevar gastos, que se retirem
alguns itens do limite de despesas; se quer mais investimentos em serviços
públicos, que se obrigue empresas privadas a fazê-los.
O comportamento dos preços está deixando
claro que não é assim que a banda toca. Há um espalhamento inflacionário maior
e as altas já alcançam 62% dos produtos pesquisados. Se não mudar rápido de
rota e entregar o prometido pacote fiscal, o governo vai colher taxas de juros
ainda mais elevadas.
Bruno, Dom e a COP-30
O Estado de S. Paulo
Combate ao crime transnacional deveria ser
uma das principais agendas do Brasil em Belém
Passados mais de dois anos, a Polícia Federal
(PF) concluiu e enviou ao Ministério Público Federal inquérito sobre o
assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom
Phillips. Entre os nove indiciados está o suposto mandante do duplo homicídio,
suspeito de ligação com o narcotráfico. O inquérito é um passo importante para
o completo esclarecimento e punição dos responsáveis por este crime, que,
segundo a PF, ocorreu por “motivo fútil”.
Fato é que o crime organizado está
sabidamente entranhado na Amazônia, logo, para além da elucidação desses
assassinatos que chocaram o Brasil e o mundo, bem faria o governo brasileiro se
fizesse da COP-30, que ocorrerá em Belém, em 2025, um fórum para discussão do
combate efetivo ao crime transnacional, que se aproveita das múltiplas
fragilidades da região para abastecer de drogas e de outras mercadorias os
mercados americano e europeu.
Extremamente organizadas, as redes
transnacionais de crime apostam na diversificação de seus negócios, explorando
o garimpo, a extração de madeira, a caça e a pesca ilegais na Amazônia. Esta
última atividade seria o “ofício”, por assim dizer, de Rubén Dario da Silva
Villar, conhecido como “Colômbia”, o suposto mandante dos assassinatos de Bruno
e Dom. O indigenista teria morrido por ter fotografado um barco de pesca
ilegal, enquanto o jornalista perdeu a vida para “assegurar a impunidade de tal
crime”.
Impunidade é tudo que não interessa ao Brasil
e à Amazônia em particular, mas, para que ela não prevaleça, é preciso derrotar
as organizações criminosas que, em uma região carente e gigantesca, acabam
sendo uma opção de sobrevivência de muitos moradores, para os quais a própria
preservação, e não a do meio ambiente, é compreensivelmente a prioridade.
É provável que ao propor Belém como sede da
conferência do clima da ONU, o presidente Lula tenha vislumbrado imagens de
autoridades estrangeiras à frente de árvores majestosas correndo o mundo, a
exemplo do que ocorreu recentemente por ocasião da visita do presidente
francês, Emmanuel Macron, ao Brasil.
Mas se a beleza cênica da região é
incontestável, a crueza da vida real por lá também o é, como atestam os
assassinatos de Bruno e Dom. Os dois encontraram a morte em Atalaia do Norte,
município amazônico que fica na região fronteiriça entre Brasil, Colômbia e
Peru e que tem baixíssima renda per capita e um dos piores Índices de
Desenvolvimento Humano (IDH) do País.
Atalaia do Norte e sua população empobrecida
e vulnerável a criminosos são, infelizmente, tão representantes da Amazônia
quanto a diversidade biológica da região. A sobrevivência de uma está
intrinsecamente ligada à de outra. Neste momento em que aparentemente o governo
brasileiro ainda debate os preparativos para a COP-30, que já está aí, é
fundamental pensar em estratégias que envolvam os mercados consumidores de
drogas e produtos amazônicos, não só para evitar novas mortes como as de Bruno
e de Dom, mas, sobretudo, para que a população local tenha uma alternativa real
de desenvolvimento.
indefinição piora cenário econômico
Correio Braziliense
É crescente a percepção de que a inflação
está resistente e de que a economia entrará em uma nova ciranda de juros altos
O governo Lula precisa enfrentar com
seriedade a conjuntura desfavorável que se apresenta na economia. Inflação
acima do teto, dólar alto, incertezas sobre o pacote fiscal e o efeito Donald
Trump tornam o cenário cada vez mais complicado.
Na última semana, o Comitê de Política
Monetária fez parte do trabalho. Aumentou a taxa básica de juros em meio ponto
percentual, elevando-a para 11,25%. Como sempre acontece, há uma expectativa em
relação à ata da reunião realizada pelo colegiado, a ser divulgada nesta
terça-feira. É praxe entre analistas financeiros buscar alguns sinais emitidos
pela autoridade monetária para obter o melhor posicionamento ante o momento
econômico. Independentemente da mensagem contida na ata, contudo, o Banco
Central já deixou claro que não descarta novas altas na Selic, a depender das
circunstâncias.
A mensagem que todos querem ouvir, contudo,
não está no Banco Central, mas no Palácio do Planalto. Do ponto de vista
econômico, a semana do governo Lula foi muito ruim. Começou no fim de semana
passado, quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi surpreendido com o
pedido do chefe para cancelar viagem programada para a Europa. Motivo: na
sexta-feira, o dólar havia chegado a R$ 5,87, a maior cotação desde 2020, em
razão das incertezas quanto à política fiscal do governo.
Seguiram-se outros indicadores preocupantes.
Na madrugada de quarta-feira, Donald Trump se consagrou presidente eleito dos
Estados Unidos, indicando uma temporada de valorização cambial do dólar e
medidas protecionistas. No mesmo dia, o Copom, como já mencionado, reajustou a
taxa Selic. Na sexta-feira, mais um gosto amargo no cardápio econômico: o
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência para se medir
a inflação oficial, ultrapassou o teto da meta para 2024, chegando a 4,76% nos últimos
12 meses. Contribuíram para esse dado a alta na energia elétrica residencial
(4,74%) e o preço das carnes (5,8%).
Em meio ao cenário desfavorável, o governo
passou a semana reunido para definir a sinalização econômica mais importante
desde a aprovação do arcabouço fiscal: o pacote de corte de gastos. Exaurida a
fórmula de aumento de receitas, chegou a inevitável hora de reduzir as
despesas. Mas o que se viu, paralelamente às reuniões fechadas no Planalto e
antes mesmo do anúncio oficial, foram ministros defendendo em praça pública as
políticas de suas respectivas pastas. Está evidente o mal-estar no governo
Lula. E quanto maior a demora, maior o desgaste político.
Tanto do ponto de vista econômico quanto
político, o Planalto precisa agir rápido e com firmeza. É crescente a percepção
de que a inflação está resistente e de que a economia entrará em uma nova
ciranda de juros altos. E o governo hesita em fazer aquilo que se espera de
qualquer governo: disciplina nas contas públicas. É recomendável à
administração petista se apressar se não quiser ter, em 2026, o mesmo destino
dos democratas na eleição norte-americana.
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