O Estado de S. Paulo
Apesar do crescimento recente, é muito arriscado apostar em condições favoráveis no futuro próximo
Mais empregos, mais consumo e mais comida são os dados mais positivos no final do terceiro ano do atual mandato do presidente Lula, mas a qualidade dos empregos tem sido contestada e o mercado aponta insegurança nas contas públicas. Os 4,46% de inflação nos 12 meses até novembro indicam algum avanço na contenção dos preços. Mas essa taxa está muito próxima do teto da meta, 4,5%, e dificulta a redução dos juros. A taxa básica de 15% fixada pelo Banco Central deverá permanecer até o começo do ano e depois será reduzida lentamente, se nenhuma faísca reavivar a inflação. Há quem proponha o abandono da meta de 3% com tolerância de 1,5 ponto porcentual, mas a mudança pode ser perigosa, se resultar em maior tolerância a desarranjos das contas públicas.
Em seis dos dez anos entre 2015 e 2024, a
inflação superou 4,50%. O número subirá para sete, se levada em conta a segunda
casa decimal da taxa 4,52%, correspondente a 2020. Em quase todo esse período,
o limite de tolerância foi superior ao atual. Pode-se discutir se isso
facilitou – ou mesmo estimulou – políticas mais permissivas. Permissivas ou
não, raramente as políticas aplicadas
DES). O Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior tem procurado estimular a expansão e a
modernização do setor industrial, mas com resultados até agora pouco visíveis.
Juros muito altos no mercado financeiro podem
explicar, em parte, a moderação e a cautela do empresariado, mas também é
preciso levar em conta a falta de um cenário prospectivo claro e seguro.
Investimento em capacidade produtiva é sempre uma aposta, mesmo em condições
aparentemente seguras e sustentáveis. Mas o governo pouco tem feito para a
construção de um cenário desse tipo, mesmo com o crescimento econômico
acumulado nos últimos anos.
Apesar do crescimento recente, é muito
arriscado apostar em condições favoráveis no futuro próximo. Não se pode, em
primeiro lugar, prever ou defender a continuação de um programa de governo,
porque nem sequer se pode falar de um programa em execução. Além disso, falta
descobrir como será a disputa na próxima eleição presidencial e quais serão os
participantes. Mesmo a hipótese de um novo mandato para o atual presidente é
pouco esclarecedora, porque dificilmente se pode falar, nesse caso, em
continuação ou alteração de um desconhecido plano atual.
Com ou sem planejamento formal, o governo deve
operar dentro de alguns limites, sem devastar as contas públicas, evitando o
voluntarismo e ouvindo especialistas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
tem sido razoavelmente cauteloso, mostrando ter acumulado algumas informações
importantes em sua longa experiência. Nem sempre tem resistido à tentação de
ações populistas, mas, até agora, sem produzir estragos importantes nos vários
campos da administração. Encontra, de vez em quando, dificuldades no Congresso,
mas tem sido capaz de contornar os entraves e até de valorizá-los como
componentes da vida democrática.
Embora tenha declarado a intenção de buscar
um novo mandato na eleição do próximo ano, nenhum competidor o levou, até
agora, a mudar seu comportamento e a assumir claramente uma nova disputa. Isso
poderá mudar nos próximos meses, mas, até agora, a rotina governamental tem-se
mantido sem grande mudança. Se um concorrente aparecer com algum programa ou
plano, o presidente Lula talvez seja estimulado a apresentar um conjunto de
ideias sobre um novo período governamental.
Por enquanto, ele permanece livre dessa
obrigação. Se for necessário, a ministra do Planejamento e o secretário-geral
do Ministério da Fazenda poderão produzir a resposta. Um plano, se for mesmo
desenhado, deverá provavelmente incluir um capítulo, ou seção, sobre política
externa, com destaque para a diplomacia continental e, muito discretamente,
para o papel do Brasil como possível mediador entre a região e os Estados
Unidos.

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