Valor Econômico
Ex-presidente da Câmara afirmou a aliados que era preciso "reorganizar" a Casa
A relação entre o presidente da Câmara dos
Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e seu antecessor, Arthur Lira (PP-AL),
voltou a azedar na última semana, após declarações de Lira a aliados em que
classificou a Câmara como uma “esculhambação” e disse que era preciso
“reorganizar” a Casa. Motta rebateu dizendo que a Presidência da Casa não deve
servir como “ferramenta de revanchismo”.
Mesmo assim, os dois estiveram juntos na sexta-feira (12), depois de a Polícia Federal (PF) vasculhar o gabinete na Câmara de uma ex-assessora de Lira. A investigação, conduzida pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), mira irregularidades em emendas parlamentares.
Para aliados de Motta, o deputado alagoano
“não aceita que é ex-presidente”, “não larga o osso” e isso tem atrapalhado o
atual presidente. Por outro lado, a leitura no entorno de Lira é de que ele não
pode ser culpado por “erros da gestão”. O episódio é mais um em uma série de
rusgas na relação dos dois ao longo do ano.
A tensão entre ambos se acentuou desde a
crise da articulação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da blindagem,
quando, em meio à negociação para conter o motim bolsonarista, parlamentares
recorreram a Lira e esvaziaram o papel do atual presidente.
Os ruídos reapareceram em episódios recentes,
como quando Lira compareceu à cerimônia no Palácio do Planalto da sanção do
projeto do Imposto de Renda mesmo Motta decidindo não ir. No mesmo dia, o atual
presidente da Casa foi flagrado em uma mesa com o ex-deputado Eduardo Cunha e o
deputado Guilherme Derrite (PL-SP), em um jantar para discutir o projeto de lei
(PL) antifacção.
Aliados de Motta também ficaram incomodados
com a atuação de Lira no plenário durante a votação do PL da dosimetria, na
semana passada, quando ele foi cortejado pela oposição e procurado pelo governo
para atuar na articulação, enquanto o atual mandatário era alvo de críticas e
comparações com o sucessor.
Em outubro, Lira disse que Motta “daria a
volta por cima”, o que irritou o paraibano. Em entrevista ao Valor, naquele mês, o
presidente da Casa rebateu: “Não estou preocupado em dar a volta por cima.
Tenho feito meu trabalho de maneira muito compromissada e vou continuar assim”.
Motta afirma que não há rusgas, mas nos
bastidores ele não esconde o incômodo com as críticas de Lira e a sombra de seu
antecessor. No entanto, há quem aponte, que apesar dos atritos, o atual
presidente da Câmara ainda tem “excesso de lealdade” a Lira.
Em um episódio recente, por exemplo, na
disputa dentro da bancada de Alagoas relativa à destinação das emendas para o
Estado, Motta atuou a favor de Lira e preteriu um de seus principais aliados,
Isnaldo Bulhões (MDB-AL), para incluir na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
um trecho a pedido de Lira.
Fontes próximas ao ex-presidente da Câmara
afirmam que ele “tem absoluto apreço e respeito por Motta”, mas reconhecem que
Lira reclama que o sucessor age sozinho e muitas vezes não escuta seus
conselhos. Também apontam que a Casa vem de uma sequência de presidentes que
seguiam “uma linha muito reta” de atuação, e que Motta tem um estilo diferente,
mais difuso. A avaliação é de que essa estratégia “claramente não está funcionando”.
Um dos principais aliados de Motta na Câmara
avalia que o atual presidente tem um perfil “diferente do autoritarismo de
Lira” e que o alagoano atua como “um menino mimado”, com dificuldade de se
afastar do poder. Há, inclusive, quem aponte que o entorno de Lira atua para
manter a imagem de que ele é uma “eminência parda”, acusando o antecessor até
de vazar fotografias com peso semiótico — como a do jantar de Motta, Cunha e
Derrite.
Lira não escondeu a sua irritação com a
presidência de seu sucessor após a reviravolta na votação da cassação de
Glauber Braga (Psol-RJ), seu desafeto pessoal e pivô da operação deflagrada na
sexta. “Tem que reorganizar a Casa. Está uma esculhambação”, escreveu Lira em
um grupo de mensagens com integrantes do PP.
Fontes ligadas a Motta avaliam que “dessa vez
foi preciso responder” e articularam uma declaração pública. “A presidência da
Câmara não se move por conveniências individuais, nem deve servir como
ferramenta de revanchismo. Trabalhamos esta Casa com total imparcialidade,
exercendo nossas responsabilidades com seriedade, equilíbrio e abertura ao
diálogo. Nosso dever é garantir o pleno funcionamento das instituições,
acolhendo todas as vozes do Parlamento e mantendo o respeito entre os Poderes”,
disse a nota.
Procurados, nem Motta nem Lira quiseram se manifestar.

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