DEU NO VALOR ECONÔMICO
Nem os militantes mais entusiasmados chegaram a acreditar piamente na hipótese de a Lei Ficha Limpa ser aprovada com tão poucas - e tão sem importância - modificações pelo Congresso. Afinal, as primeiras listas de pedidos de impugnação de candidaturas aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) já mostram o tamanho do prejuízo para os partidos que aprovaram o projeto. Entre os políticos de carreira, tendem a ser atingidos os que tiveram passagens por cargos executivos e exercem lideranças nos seus Estados - neste caso, a Lei Ficha Limpa tende a atuar como uma penalidade adicional, por exemplo, aos políticos cassados pela Lei da Compra de Voto, também originado de um projeto de iniciativa popular, que tirou o mandato de vários governadores em 2006.
Estarão de fora das eleições os políticos que foram condenados em segunda instância e procuram o abrigo do foro privilegiado num mandato de deputado federal ou de senador. Perderão essa garantia de impunidade. As listas partidárias das legendas terão que ir atrás de muito sangue novo para repor esses quadros. Sairão também das listas partidárias, por conta da nova lei, traficantes e milicianos que garantiam o acesso de outros políticos às favelas e regiões dominadas pelo crime organizado no Rio de Janeiro, por exemplo. Os partidos terão que encontrar outras formas de captar o voto em regiões sitiadas, que não seja o poder da metralhadora.
Existem muitas vantagens nessa nova lei, mas, passada a euforia de sua aprovação, é bom que se reconheça que ela é apenas um começo. Na prática, pelo menos para essas eleições, a nova norma criou duas categorias de políticos com ficha suja: aqueles sobre os quais recaem suspeitas de crimes, mas que estão protegidos de condenações porque se tornaram parlamentares antes de serem condenados em segunda instância; e aqueles que estarão fora do pleito porque sujaram a ficha antes de conseguir um mandato parlamentar. Os parlamentares sob suspeita de terem cometido crimes, mas que ainda não foram condenados em instâncias inferiores, estão protegidos pela morosidade do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem cabe julgar parlamentares, ministros e presidente; garante tranquilidade a eles a falta de aptidão do STF para inquéritos.
A lei também não resolve o problema da Justiça estadual. Embora as instituições tenham se aprimorado muito no período democrático, não se pode dizer que o Judiciário tenha conseguindo êxito completo no processo de separação das justiças estaduais dos poderes políticos locais. Nos Estados em que chefes políticos exercem influência além da conta sobre a Justiça, o projeto Ficha Limpa vai se tornar um instrumento político a mais a ser usado contra a oposição local. O caso mais emblemático é a influência da família Sarney sobre as justiças do Maranhão e do Amapá. Na Bahia, onde Antonio Carlos Magalhães tinha quase a palavra final na Justiça estadual, sua influência já era bastante reduzida quando faleceu.
Mas, antes que isso acontecesse, usou a Justiça para banir inimigos da política.
Aliás, não é preciso nem ir tão longe. Em São Paulo, a ex-prefeita Luiza Erundina, hoje deputada federal pelo PSB, foi condenada pela justiça paulista a ressarcir em R$ 350 mil os cofres da prefeitura por conta de um comunicado oficial que publicou nos jornais, quando era prefeita, numa greve de ônibus. Teve penhorado seu único imóvel e seu carro. Seu patrimônio sequer cobria o valor da sentença. É uma condenação tão fora de propósito que provocou uma onda espontânea de solidariedade à deputada, que é reconhecidamente ética.
O ex-prefeito Paulo Maluf, no entanto, apenas em 2009 sofreu sua primeira condenação, que poderá valer a ele a inclusão na lista dos Ficha Suja da justiça eleitoral. Não será nada mal ter Maluf excluído da lista dos candidatos do seu partido a deputado federal - o que garante a ele, se eleito, foro privilegiado nas demais ações a que responde. O assustador é que Erundina foi equiparada pela Justiça a Maluf. E a Lei Ficha Limpa não conserta essa injustiça, porque não tem poder para isso.
A moral da história é que a Lei Ficha Limpa é ótima. O problema é que ela tem que vir acompanhada de uma despolitização das justiças estaduais, sob pena de cometer grandes injustiças. Por isso tem que ser entendida como um começo. A outra parte da história é entender como promover de forma também incisiva um salto democrático no Poder Judiciário. Projetos consistentes de iniciativa parlamentar seriam bem-vindos.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras
Nem os militantes mais entusiasmados chegaram a acreditar piamente na hipótese de a Lei Ficha Limpa ser aprovada com tão poucas - e tão sem importância - modificações pelo Congresso. Afinal, as primeiras listas de pedidos de impugnação de candidaturas aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) já mostram o tamanho do prejuízo para os partidos que aprovaram o projeto. Entre os políticos de carreira, tendem a ser atingidos os que tiveram passagens por cargos executivos e exercem lideranças nos seus Estados - neste caso, a Lei Ficha Limpa tende a atuar como uma penalidade adicional, por exemplo, aos políticos cassados pela Lei da Compra de Voto, também originado de um projeto de iniciativa popular, que tirou o mandato de vários governadores em 2006.
Estarão de fora das eleições os políticos que foram condenados em segunda instância e procuram o abrigo do foro privilegiado num mandato de deputado federal ou de senador. Perderão essa garantia de impunidade. As listas partidárias das legendas terão que ir atrás de muito sangue novo para repor esses quadros. Sairão também das listas partidárias, por conta da nova lei, traficantes e milicianos que garantiam o acesso de outros políticos às favelas e regiões dominadas pelo crime organizado no Rio de Janeiro, por exemplo. Os partidos terão que encontrar outras formas de captar o voto em regiões sitiadas, que não seja o poder da metralhadora.
Existem muitas vantagens nessa nova lei, mas, passada a euforia de sua aprovação, é bom que se reconheça que ela é apenas um começo. Na prática, pelo menos para essas eleições, a nova norma criou duas categorias de políticos com ficha suja: aqueles sobre os quais recaem suspeitas de crimes, mas que estão protegidos de condenações porque se tornaram parlamentares antes de serem condenados em segunda instância; e aqueles que estarão fora do pleito porque sujaram a ficha antes de conseguir um mandato parlamentar. Os parlamentares sob suspeita de terem cometido crimes, mas que ainda não foram condenados em instâncias inferiores, estão protegidos pela morosidade do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem cabe julgar parlamentares, ministros e presidente; garante tranquilidade a eles a falta de aptidão do STF para inquéritos.
A lei também não resolve o problema da Justiça estadual. Embora as instituições tenham se aprimorado muito no período democrático, não se pode dizer que o Judiciário tenha conseguindo êxito completo no processo de separação das justiças estaduais dos poderes políticos locais. Nos Estados em que chefes políticos exercem influência além da conta sobre a Justiça, o projeto Ficha Limpa vai se tornar um instrumento político a mais a ser usado contra a oposição local. O caso mais emblemático é a influência da família Sarney sobre as justiças do Maranhão e do Amapá. Na Bahia, onde Antonio Carlos Magalhães tinha quase a palavra final na Justiça estadual, sua influência já era bastante reduzida quando faleceu.
Mas, antes que isso acontecesse, usou a Justiça para banir inimigos da política.
Aliás, não é preciso nem ir tão longe. Em São Paulo, a ex-prefeita Luiza Erundina, hoje deputada federal pelo PSB, foi condenada pela justiça paulista a ressarcir em R$ 350 mil os cofres da prefeitura por conta de um comunicado oficial que publicou nos jornais, quando era prefeita, numa greve de ônibus. Teve penhorado seu único imóvel e seu carro. Seu patrimônio sequer cobria o valor da sentença. É uma condenação tão fora de propósito que provocou uma onda espontânea de solidariedade à deputada, que é reconhecidamente ética.
O ex-prefeito Paulo Maluf, no entanto, apenas em 2009 sofreu sua primeira condenação, que poderá valer a ele a inclusão na lista dos Ficha Suja da justiça eleitoral. Não será nada mal ter Maluf excluído da lista dos candidatos do seu partido a deputado federal - o que garante a ele, se eleito, foro privilegiado nas demais ações a que responde. O assustador é que Erundina foi equiparada pela Justiça a Maluf. E a Lei Ficha Limpa não conserta essa injustiça, porque não tem poder para isso.
A moral da história é que a Lei Ficha Limpa é ótima. O problema é que ela tem que vir acompanhada de uma despolitização das justiças estaduais, sob pena de cometer grandes injustiças. Por isso tem que ser entendida como um começo. A outra parte da história é entender como promover de forma também incisiva um salto democrático no Poder Judiciário. Projetos consistentes de iniciativa parlamentar seriam bem-vindos.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras
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