A Rio+20 começa num cenário de crise econômica, nos países ricos, de longa duração e profundas repercussões. Mas é conjuntural. Um dia ela passará de alguma forma deixando suas cicatrizes e lições. A crise ambiental e climática continuará conosco porque é mais longa, complexa e decisiva. Encontrar a sustentabilidade financeira da Europa é mais fácil do que pacificar a relação da humanidade com os recursos finitos do planeta.
Começa hoje no Rio a mais ampla discussão já ocorrida sobre a nossa capacidade de conciliar desenvolvimento econômico e social com menos agressão ao que não podemos repor: as milhões de formas de vida espalhadas por esse planeta misterioso, fértil, complexo e belo.
O tema é tão vasto que vai se espalhar pela cidade em tantos eventos. Cada pessoa que quiser participar poderá no máximo ver uns poucos. Aliás, já começaram. O Riocentro é a capital do mundo neste momento, e lá estarão as negociações oficiais, que estão bem encrencadas. Delegações vão se debruçar em vários níveis sobre um documento grande demais, desfocado, cheio de impasses, e que fugiu das duas trilhas abertas na Rio 92: a do combate às mudanças climáticas e a da preservação das espécies. Era para o documento ter chegado ao dia de hoje com mais avanços do que chegou.
Em 92, os chefes de Estado assinaram os dois documentos mais importantes de toda essa jornada de encontros pelo mundo: a convenção da biodiversidade e a da mudança climática. Várias COPs têm sido feitas sob essas duas convenções. A de número 18, do clima, será em dezembro, em Catar. Em todas as 17 houve avanços e impasses.
Para fugir dos bloqueios a que chegaram os dois temas, o Rio vai discutir desenvolvimento sustentável. Perseguirá dois resultados. Primeiro, a definição sobre que órgão vai comandar as negociações relacionadas ao meio ambiente. Será o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Pnuma? Ele tem serviços prestados, mas é apenas um programa. Precisaria de mais dinheiro e mais poder para ser uma espécie de OMC do meio ambiente. Alguns defendem que seja um órgão novo. O segundo tema da conferência é a economia verde.
O governo brasileiro considera que o evento terá sido bem sucedido se, ao final, conseguir estabelecer metas de desenvolvimento sustentável, para substituir as metas do milênio que expiram em 2015.
A capacidade que as burocracias dos países têm de se enrolar e criar impasses, mesmo diante de riscos planetários, é enorme. E a Conferência do Desenvolvimento Sustentável Rio+20 pode sim produzir no final um documento vago sem resultado prático, que deixe lacunas, que não tenha números, que apenas encaminhe questões sobre as quais há ainda controvérsias.
Mas, felizmente, nem tudo é governo. Pelo Rio inteiro estarão acontecendo nos próximos dias eventos que trarão frutos concretos. Jovens do mundo inteiro multiplicarão seus laços para atuar em rede na mesma direção. Pessoas estarão sendo expostas a informações mais precisas sobre os riscos e as chances que temos nesse definitivo encontro da humanidade com seus hábitos de vida. Organizações serão criadas ou fortalecidas. Empresas passarão a reduzir o impacto da sua atividade. Administradores públicos trocarão experiência. Cientistas vão comparar estudos sobre os mais variados aspectos dessa questão interminável. Economistas colocarão nas suas equações outras variáveis que não as tradicionais. Políticas públicas serão impactadas pelo que as autoridades, pessoas e organizações ouvirem no Rio nos próximos dias.
Esse resultado é mais difícil de medir mas é fundamental. Conto só uma história para ilustrar. A ONG Onda Verde trará mil jovens da Baixada Fluminense para uma coreografia no aterro. Eles virão de trem para reduzir o impacto dos seus deslocamentos. Dirão com seus corpos em movimento que a Terra roda numa direção, a humanidade, em outra, e que essa contradição é perigosa. Visto assim parece coisa passageira. Por trás, há 18 anos de trabalho. A ONG nasceu como efeito da Rio 92. Entre suas várias atividades está a educação ambiental. Cada um desses mil jovens participou de treinamentos em suas escolas. A informação vai se multiplicar.
É impossível resumir uma conferência tão ampla. Mais de mil eventos estão acontecendo pela cidade inteira. Um evento como esse é uma chance única. Os governos podem perdê-la, mas a sociedade não deveria. Há 20 anos, o Brasil estava em crise em todas as áreas. O presidente Fernando Collor já estava sob o efeito das denúncias feitas pelo irmão Pedro. A inflação estava subindo de forma descontrolada após o fracasso de cinco planos (Cruzado, Bresser, Verão, Collor e Collor II). Tudo isso parecia ser mais importante do que toda aquela conferência que movimentaria a cidade momentaneamente.
Collor sofreu impeachment naquele ano mesmo. Dois anos depois o Plano Real estabilizou a moeda na sexta - e definitiva - tentativa. Aquelas crises que dominavam o noticiário passaram. A ambiental que estava sendo discutida no Rio permanece entre nós como enigma e desafio. As crises econômicas e políticas passam. A que começa hoje a ser discutida no Rio é o dilema mais definitivo para a humanidade.
FONTE: O GLOBO
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