Presidente deposto ganha força com decisão dos países vizinhos de negar apoio a novo governante e ensaia contragolpe ao grupo que o tirou do poder.
Um país e dois governos
Lugo prepara administração paralela após ser fortalecido pelo afastamento do Paraguai do Mercosul e da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) até as eleições presidenciais, em abril de 2013.
A reação foi mais lenta do que a ação daqueles que cassaram o mandato de Fernando Lugo e entronaram Federico Franco no poder no Paraguai. O processo de impeachment demorou 31 horas. Já Lugo levou quase 48 horas para ensaiar o contragolpe.
O ato inicial da resposta do presidente deposto será uma reunião de gabinete, às 6h de hoje, na sede do Partido Solidário, no centro de Assunção. Lugo e seus ministros irão instaurar, a poucos metros do Palácio de Los López, um governo de resistência, reconhecido como legítimo por Brasil, Venezuela, Argentina e Uruguai.
– Não se trata de um governo paralelo porque o governo paralelo é o que tem hoje no Palácio de los López – afirmou ontem a ZH Gustavo Codas, ex-administrador do Paraguai para Itaipu e um dos homens mais próximos do presidente deposto.
Há uma divergência entre os apoiadores de Lugo. Muitos acham que ele deveria ter resistido ao impeachment – que é tratado pelos aliados como "golpe parlamentar". E, assim, convocado o povo a sair às ruas. Na sexta-feira, apenas 5 mil pessoas foram à Praça das Armas, em frente ao Congresso. Assessores mais próximos de Lugo afirmam que, se o presidente resistisse, haveria um banho de sangue.
– Se tivesse convocado as pessoas a resistir e dito: "Não saio do palácio", teríamos uma convulsão – admite Codas.
Na noite de sexta-feira, Lugo aceitou o julgamento político, previsto na Constituição de 1992. Recuou. No sábado, as lojas do centro de Assunção reabriram. A capital vivia uma falsa sensação de que tudo estava normal. No Palácio de Los López, Federico Franco, presidente empossado, recebia o embaixador da Alemanha, Claude Robert Ellner, e o núncio apostólico, a mais alta autoridade do Vaticano no país, Eliseo Ariotti, como sinal de apoio.
Na manhã de domingo, Lugo falou aos jornalistas na frente de sua casa, na região de Lambare. O tom já era bem diferente do adotado na sexta-feira. Em um claro desafio ao governo de Franco, ele disse que irá à cúpula do Mercosul, nos próximos dias 28 e 29, em Mendoza, Argentina.
– Está totalmente claro que foi um golpe de Estado parlamentar contra a vontade popular, que elegeu Fernando Lugo presidente. Acompanhamos todo tipo de manifestação dos jovens, agricultores, trabalhadores – afirmou Lugo.
Os ativistas, que haviam recuado, voltaram às ruas. O ponto de convergência é a sede da TV Pública, fundada por Lugo e cujo principal programa, Micrófono Abierto, teve o sinal cortado quando telespectadores começaram a entrar no ar, por telefone, criticando o impeachment de Lugo. Ontem, no local, grupos organizaram protestos pacíficos. O sinal da emissora voltou a ser cortado justamente durante as manifestações.
Grupo de esquerda organiza resistência
Ao final da tarde, enquanto as negociações diplomáticas ganhavam força, estava sendo organizada a Frente para a Defesa da Democracia. Integrada por políticos de esquerda, o grupo organizava a resistência. Em sua casa, um dos dirigentes, Domingo Laíno, diretor para assuntos internacionais do Partido Liberal Radical Autêntico, mostrou a ZH a carta que pretende levar à reunião da Cúpula do Mercosul, na quarta-feira. Nela, Laíno pede à presidente argentina, Cristina Kirchner, a mediação de um encontro com os presidentes do Brasil, Dilma Rousseff, e do Uruguai, Pepe Mujica.
– O golpe provocou unidade que não existia entre as organizações sociais – disse Laíno.
Ao adotar uma postura mais contundente contra Franco, Cristina lidera a frente de oposição à saída de Lugo. Até ontem à noite, diversos países, entre eles o Brasil, chamaram seu embaixador de volta, para consulta.
– Vou obedecer à ordem de Brasília e prestarei esclarecimentos nesta segunda-feira ao Itamaraty e à presidente Dilma – disse Eduardo dos Santos, embaixador brasileiro, pouco antes de embarcar em Assunção.
A Venezuela tomou a decisão mais radical: o governo do presidente Hugo Chávez suspendeu o envio de todo o petróleo ao Paraguai. Ao final do dia, um comunicado vazado pela chancelaria argentina antecipava o isolamento, cada vez maior de Franco: "os presidentes da América do Sul decidiram afastar o Paraguai do Mercosul e da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) até as eleições presidenciais no país vizinho, em abril de 2013". Uma das consequências pode ser o atraso em obras financiadas pelo Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, como no setor energético, em que injeta pelo menos US$ 400 milhões.
Dilma defende a sanção, mas deixará a Argentina tomar a frente desse processo. Isso porque o Brasil tem mais interesses econômicos e geopolíticos no Paraguai do que os argentinos.
Razões para a cautela brasileira
- Não interessa ao Brasil abrir uma frente de tensão política com o Paraguai, especialmente no campo político, por isso, o país atua com mais cautela e não condena com veemência o novo governo.
- O Paraguai poderia ser visto quase como um outro Estado brasileiro, em razão do grande porte de investimentos brasileiros em commodities agrícolas, na construção civil, no comércio e em bancos.
- Há cerca de 400 mil brasiguaios que vivem especialmente da produção de soja no Paraguai. Seus líderes são contrários a Lugo e pressionam o Brasil a reconhecer o novo presidente.
- O Brasil divide a administração de Itaipu e compra quase toda a parte que cabe ao Paraguai – que não utiliza todo o potencial da usina.
- A instabilidade do país é uma dificuldade adicional na tentativa de reduzir a entrada de armas, drogas e mercadorias do Paraguai ao Brasil.
- A embaixada do Brasil em Assunção é considerada uma das mais importantes para o Itamaraty entre as suas representações em todo o mundo, ao lado de Washington, nos Estados Unidos, e Buenos Aires, na Argentina.
FONTE: ZERO HORA (RS)
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