“Lula está ruim da cabeça. Foi visitar Maluf em casa. Eu podia ir, mas ele não." (Sérgio Guerra, presidente do PSDB)
Que baita hipocrisia, essa, de criticar Lula só por ele ter selado com um aperto de mão o apoio do deputado Paulo Maluf (PP) a Fernando Haddad, o candidato do PT a prefeito de São Paulo. O que Lula fez de original? Como Maluf sobreviveria tanto tempo na política se não tivesse quem lhe estendesse a mão oferecendo ajuda ou pedindo socorro?
O senador Alfredo Nascimento (PR-AM) acabou "faxinado" por Dilma do Ministério dos Transportes sob a acusação de ter fechado os olhos a malfeitos. José Serra apertou a mão dele outro dia para celebrar a adesão do PR à sua candidatura a prefeito de São Paulo. Nascimento será muito diferente de Maluf? E o PR dele, do PP de Maluf?
Pontifica na Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo um afilhado político de Maluf. O cargo foi dado ao PP para recompensar seu apoio ao governo de Geraldo Alckmin. Por antecipação, Dilma cedeu a Maluf uma secretaria do Ministério das Cidades pelo serviço que ele prestará à candidatura Haddad.
Nas últimas décadas, Maluf foi tratado como a Geni da música de Chico Buarque de Hollanda: "Joga pedra na Geni! Joga pedra na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni!". O tratamento só mudava às vésperas de eleições. "Vai com ele, vai Geni! (...) Você pode nos salvar! Bendita Geni!"
Maluf venceu. Talvez tenha faltado a Lula a exata dimensão do seu gesto de, contrariando ordens médicas para que permanecesse em casa, ir ao encontro de Maluf e trocar afagos com ele diante de fotógrafos. Para Maluf, que o exigiu, o gesto foi uma espécie de "mea culpa" dos políticos que sempre fingiram abominá-lo.
Em 1985, nos estertores da ditadura militar, Maluf encarnou o mal a ser esmagado. De um lado havia Tancredo Neves pelo PMDB, ex-governador de Minas Gerais, o candidato a presidente da República de todas as forças que se opunham ao regime. Do outro, Maluf, o candidato do regime que imaginava ganhar uma sobrevida.
Os dois candidatos travaram a peleja do bem contra o mal usando as mesmas afiadas armas. A mais eficiente: dinheiro para a compra de votos de deputados e senadores que formariam o Colégio Eleitoral destinado a escolher o sucessor do general-presidente João Figueiredo. A segunda mais eficiente: cargos para saciar o apetite dos eleitores.
Ficou registro do jogo pesado protagonizado por Tancredo e Maluf? Em termos. Quer dizer: ficou registro dos instrumentos de corrupção utilizados por Maluf para tentar se eleger. O processo de santificação de Tancredo quase se completou com a sua morte sem ter tomado posse do cargo de presidente. O cargo sobrou para o vice, José Sarney.
Aconteceu o que desde então? Quem mudou? Maluf? Dele se poderá dizer, com excesso de boa vontade, que supostamente mudou um tiquinho para melhor — à parte a roubalheira, é claro. Poucos políticos concorreram a tantas eleições como ele. Ganhou muitas, perdeu muitas. Ajustou-se à nossa democracia de fachada.
Quem mudou de verdade? Os políticos. Esses malufaram em grande estilo. Maluf segue na dele. Está onde sempre esteve. Pensa como pensava. Vale-se das mesmas práticas que lhe asseguraram mandatos. Em resumo: venceu o padrão de política que ninguém melhor do que ele representou tão bem nos anos 80.
O PT expulsou deputados que em 1985 votaram em Tancredo para presidente. De tão puro, o partido se recusara a participar da eleição indireta. O PT expulsou Erundina em 1992 porque ela aceitou ser ministra do governo de união nacional do presidente Itamar Franco, o sucessor do deposto Fernando Collor.
O encontro carinhoso de Lula com Maluf começou a ser desenhado quando Lula bebeu Romanée Conti na companhia do marqueteiro Duda Mendonça e, depois, justificou o mensalão como algo que todo partido faz. Nunca se ouviu Maluf dizer que seus companheiros de ofício seriam obrigados a engoli-lo um dia. Pois assim aconteceu.
FONTE: O GLOBO
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